domingo, 4 de janeiro de 2009

A ação dos cineclubes e das cinematecas na América Latina para o desenvolvimento da cultura cinematográfica

Este texto é mais uma colaboração para o blog de Fausto Douglas Correa Júnior. Trata-se do trecho dedicado à situação brasileira extraído do documento "A ação dos cineclubes e das cinematecas na América Latina para o desenvolvimento da cultura cinematográfica", de autoria de Rudá de Andrade, na época conservador-adjunto da Cinemateca Brasileira, em São Paulo. Apresentado na Mesa redonda internacional sobre cinema na América Latina, realizada em Santa-Margherita-Ligure, Itália, de 25 a 27 de maio de 1961, e organizado pela UNESCO, o original deste documento - traduzido do original em francês por Fausto em 2006 - encontra-se nos arquivos da Cinemateca Brasileira. Trata-se um documento importante por se tratar de um histórico sobre as atividades do cineclubes no Brasil (e na América Latina, no restante do texto), sobretudo no contexto de criação das primeiras Cinematecas no país, tendo sido escrito justamente num momento de ampliação e efervescência do circuito cineclubístico e da cultura cinefílica no início dos anos 1960.
A ação dos cineclubes e das cinematecas na América Latina para o desenvolvimento da cultura cinematográfica
por Rudá de Andrade
tradução de Fausto Douglas Correa Júnior

O desenvolvimento do comércio cinematográfico, que nasceu com o cinema, provocou a aparição de revistas endereçadas aos “fans” (diferente de outras que representassem um interesse crítico, cultural ou técnico), tais como, entre outras, em 1913, “O cinema” – que teve uma breve existência -; em 1927, “Teatro e Cinema”; em 1918, “Palcos e Telas”; em 1921, “A Scena Muda”; e em 1926 “Cinearte”, que deu valor ao cinema nacional, sem falar de revistas mundanas que dedicavam um lugar importante ao cinema.
Se procuramos as origens da cultura cinematográfica brasileira, nós devemos partir das atividades do antropólogo e educador Edgar Roquete Pinto que, em 1920, como Diretor do Museu Nacional começa a constituir um fundo de filmes de interesses científicos. Dois anos mais tarde, Roquete Pinto realiza filmes de antropologia Seu grande mérito se traduz pelo desenvolvimento e a aplicação dos meios audiovisuais na educação, e seu trabalho neste domínio foi coroado em 1936 pela criação do Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE).
Em 1917 nós encontramos um grupo de jovens que querendo fazer cinema como atores e técnicos, se reuniam para ver filmes, comentá-los e debatê-los a propósito do cinema brasileiro. Estas reuniões orientaram a carreira de alguns homens, entre os quais Pedro Lima, que é hoje crítico, e Adhemar Gonzaga, que cumpriu um papel na produção nacional e que é sempre profissional e historiador de cinema.

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O termo “cineclube” foi utilizado pelo clube de jogos de Jayme Redondo, em 1925. As projeções eram um meio de atrair os jogadores. O resultado desta aventura foi a produção de dois filmes pelo Cineclube.
O início real da cultura cinematográfica brasileira data de 1928, quando alguns jovens, tentando escapar da mentalidade provinciana da época, seguindo o pequeno movimento intelectual e descobrindo a arte cinematográfica. Estes são Octavio de Faria, Plínio Sussekind Rocha, Almir Castro e Cláudio Nello, que em junho do mesmo ano fundam o “Chaplin Club”. Esta associação prolongara suas atividades até a afirmação do cinema sonoro e participará da polêmica contra o som. Este novo cinema privava o grupo da arte que eles amavam. O “Chaplin Club” lança uma revista “O Fan”, seu órgão oficial - que nutriu críticas e ensaios de valor intelectual - vivo por dois anos e com nove números publicados. Este movimento do Rio de janeiro deu à crítica cinematográfica um tom sério que será um exemplo a se seguir.
Aparecem os primeiros livros escritos por autores brasileiros: “Gente de Cinema”, em 1929, uma coletânea de críticas de Guilherme de Almeida e, enfim, “Cinema contra cinema”, em 1931, estudo sociológico de Canuto Mendes de Almeida.
Em 1940, é criado o primeiro “Clube de Cinema de São Paulo”, com a participação de intelectuais, alunos e professores ligados a Faculdade de Filosofia, entre os quais Paulo Emilio Sales Gomes, que estimula e conduz o movimento. No ano seguinte, após algumas projeções públicas, o cineclube desaparece em função de dificuldades provocadas pela ditadura de Vargas; sobrevive entretanto o grupo, que realiza algumas projeções em casas privadas e que participam da revista cultural “Clima”.
Cinco anos mais tarde, imediatamente ao final da Guerra, o interesse pela arte cinematográfica é uma realidade que se manifesta na criação do novo “Clube de Cinema de São Paulo”. Este, sob a presidência do crítico Francisco Luiz de Almeida Salles, se tornará a “Filmoteca do Museu de Arte de São Paulo” [1], atualmente “Cinemateca Brasileira”. O clube começa suas projeções em salas improvisadas, e se instala no museu, após tornar-se a “Filmoteca”.
Ao mesmo tempo sob a influência de Plínio Sussekind Rocha, professor universitário, é fundado o “Clube de Cinema da Faculdade Nacional de Filosofia”, no Rio de Janeiro, que começa uma coleção de alguns clássicos russos encontrados em Belo Horizonte e uma pequena quantidade de outras películas. Também no Rio, os críticos constituem a “Associação Brasileira de Cronistas Cinematográficos”.
Em 1948, o “Circulo de Estudos Cinematográficos” é criado no Rio de Janeiro pelos críticos Alex Viany, Antonio Moniz Viana e Luiz Alípio de Barros. Assim começa a descentralização do movimento cinematográfico com a aparição dos clubes: o “Clube de Cinema de Porto Alegre”, que cria um ambiente fecundo no Sul; ao norte, o “Clube de Cinema de Fortaleza” e perto de São Paulo, o “Clube de Cinema de Santos”. Nos anos seguintes, o clima favorável à aparição de novas organizações se prolonga: o “Centro de Estudos Cinematográficos de Minas Gerais” sob a orientação de Jacques do Prado Brandão, Cyro Siqueira e de outros, teve uma importância nacional graças à vitalidade de suas manifestações, à formação constante de críticos locais, e à publicação da “Revista de Cinema”, que se manterá de 1954 a 1957, cessando um pouco para reaparecer em 1961; o “Museu de Arte de São Paulo” convida Alberto Cavalcanti a fazer uma série de conferências, o que permitiu a Ruggero Jacobbi, Adolfo Celi e Carlos Ortiz a criarem o “Seminário de Cinema do Museu de Arte”, que se manteve muito ativo até a sua transformação em escola de cinema, de onde saíram dois documentários sobre arte; o Centro de Estudos Cinematográficos de São Paulo realizou o primeiro congresso de cineclubes, do qual o único resultado foi colocar em contato os principais animadores. O “Cineclube da Bahia”, sob a orientação de Walter da Silveira é uma das organizações mais bem sucedidas, e que permitiu a formação de uma atmosfera ativa em Salvador; finalmente, o “Clube de Cinema Orson Welles” em São Paulo, o “Clube de Cinema de Florianópolis”, e o “Clube de Cinema do Rio de Janeiro” e muitos outros que surgiram mais tarde nas capitais e no interior dos estados mais avançados, constituem a malha brasileira de cineclubes ativos, que não devem passar de uma vintena, sem contar o movimento católico. A falta de material humano impede o crescimento do número de cineclubes.
A idéia de uma federação para ajudar o desenvolvimento dos cineclubes surgiu publicamente no congresso de 1950, mas ela não se concretizou antes de 1956, sob a forma do “Centro de Cineclubes do Estado de São Paulo” por iniciativa de Carlos Vieira. Este órgão, que rendia serviços aos cineclubes do Estado de São Paulo, estendeu suas atividades para o plano nacional sob o nome de “Centro de Cineclubes” e, mesmo após a adesão dos cineclubes das cidades importantes, o número de seus membros não ultrapassava os 10, o que mostra a fragilidade do cineclubismo brasileiro. Este número agora passou da dezena, mas as distâncias, a falta de recursos e de quadros para exercer uma atividade no plano nacional, reduzem as possibilidades do “Centro de Cineclubes”. Sua obra mais completa e mais útil são os congressos de cineclubes, “Jornadas de Cineclubes” realizadas em São Paulo em 1959, em Belo Horizonte em 1960 e no Rio de Janeiro em 1961. Estes encontros entre os animadores e as personalidades da cultura cinematográfica têm tornado possível a troca de idéias, o espírito de união e têm estimulado o trabalho.
A dificuldade de alugar locais nas grandes cidades, notadamente em São Paulo e no Rio, o interesse das rodas de estudantes, do movimento católico, que emprega organizações já constituídas para sua ação, e também o fraco nível cultural do país, empurram os cineclubes para se multiplicarem sobretudo nos centros de ensino. Raros são os cineclubes de São Paulo e Rio atualmente destacados dos Liceus ou das Universidades.

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O interesse por filmes clássicos, pela história da arte cinematográfica afirmou-se pelo advento do “Clube de Cinema de São Paulo”, e por outro lado pelo conhecimento dos problemas práticos e teóricos concernentes a difusão de filmes históricos adquiridos por Paulo Emilio Sales Gomes – que manteve em Paris aproximações constantes com a Cinemateca Francesa e com a FIAF, em um espírito de estreita colaboração – criando as circunstâncias propícias para a fundação de uma cinemateca. O “Clube de Cinema de São Paulo” é criado em 1946, e como “Filmoteca de São Paulo” é aceita no ano seguinte como membro provisório da FIAF. Em 1949, a Filmoteca se junta ao recente Museu de Arte Moderna, e se transforma na Filmoteca do Museu de Arte Moderna se São Paulo, dissolvida em 1956 para tornar-se Cinemateca Brasileira. Esta última transformação que destacou a “Cinemateca” do “Museu” foi decidida quando seus dirigentes se deram conta de que o desenvolvimento de uma cinemateca no Brasil seria muito caro e só poderia ser financiado pelos poderes públicos. Era impensável que ela dependesse de contribuições de membros ou de outro organismo, como era o caso do Museu de Arte Moderna que tinha seus próprios problemas. A história da Cinemateca Brasileira mostra bem que a execução de seu programa esta subordinada aos esforços redobrados para obter os recursos que permitiriam a preservação de uma coleção importante, e uma difusão em medida suficiente para contribuir para o progresso cultural brasileiro.
Esta situação levou a Cinemateca Brasileira a seguir duas direções precisas: formar indivíduos e grupos com verdadeira capacidade, e promover manifestações amplas e especializadas suscetíveis de atender aos meios mais diversificados para fazer propaganda da arte e da cultura cinematográfica. Assim, a Cinemateca Brasileira adquiriu um prestígio considerável a partir deste momento, quando em 1954 ela se ocupou de manifestações culturais como o “Primeiro Festival Internacional de Cinema no Brasil”, organizando “Os grandes momentos do cinema”, a “Retrospectiva do Cinema Brasileiro”, a “Retrospectiva Eric Von Strohein”, a “Retrospectiva Internacional de Cinema”, enfim, uma série de projeções programadas ao longo deste ano seguindo um ritmo e uma qualidade de primeira ordem. Graças às possibilidades materiais obtidas por meio do Festival e pela ação pessoal de Sales Gomes que, a partir desta data, torna-se diretor da “Cinemateca”, nós pudemos começar a constituir os fundos da cinemateca. Os festivais realizados pelas Bienais de São Paulo continuaram o ritmo inaugurado em 1954, aos quais se juntavam de 1949 a 1956, as projeções regulares, três vezes por semana. A intensidade dos trabalhos desta organização é a razão provável da quase inexistência de cineclubes em São Paulo. Tomando consciência que esta centralização abafava o nascimento de correntes e novos grupos, a “Cinemateca” relegou a um plano secundário suas projeções, para oferecer sua colaboração para as outras instituições e apoiar as diversas iniciativas culturais cinematográficas do país. A partir de 1950, a “Cinemateca” começou a fornecer filmes aos cineclubes. Em 1955, esta difusão se normalizou e hoje em dia ela cede gratuitamente seus filmes a organizações de mais de trinta cidades espalhadas em quatorze estados brasileiros.
A tendência da Cinemateca encampar os mais variados domínios não vem de uma simples deliberação, mas das circunstâncias culturais do país; a Cinemateca se vê obrigada a preencher as lacunas e fazer o cinema servir ao desenvolvimento geral. Assim, ela organiza ou toma parte de cursos, dentre os quais é preciso ressaltar o que se endereçou aos animadores de cineclubes, colabora com o corpo discente da Universidade; ela está para inaugurar um novo departamento consagrado ao cinema para a infância e, enfim, ela presta serviços aos órgãos oficiais e privados os mais variados que se ocupam do cinema cultural, seja para os desenvolver, seja para os servir. É para estender e aprofundar este trabalho social que a Cinemateca solicita as subvenções dos poderes públicos.
Em 1957, a Cinemateca foi submetida às conseqüências de um rápido desenvolvimento sem os meios correspondentes: um incêndio destruiu sua sede e uma grande parte de seus arquivos.
A Cinemateca Brasileira possui atualmente uma coleção de filmes que se eleva a 2.200 bobinas de atualidades e 2.500 filmes de ficção. Sua documentação compreende 1.300 livros, 4.000 revistas, 36.000 fotografias, 12.000 programas, cartazes e documentos diversos; esta documentação esta registrada em 16.000 fichas.
Em 1957, após dois anos de projeções inicialmente mensais, depois bimensais, o “Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro” transforma seu departamento de cinema em “Cinemateca”, sob a responsabilidade de Antonio Moniz Vianna e Ruy Pereira da Silva. Sua atividade se limita a apresentar com sucesso filmes clássicos e modernos, a pré-estreias e a editar boletins. A Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, desde seu início, partilhou o problema do Museu: a construção de uma sede de grandes dimensões preenchendo todas as condições requeridas para um museu moderno. Esta obra monumental, empreendida pelos participantes, exige da parte de todos os departamentos uma grande propaganda para a obter fundos. Isto caracteriza os primeiros anos da “Cinemateca”, que foi conduzida a montar importantes festivais anuais: em 1958, “História do cinema americano” e nos anos seguintes “História do cinema francês” e “História do cinema italiano”, estes dois últimos com a colaboração da Cinemateca Brasileira que os apresentou em São Paulo. Estas manifestações foram possíveis graças ao apóio do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, das Cinematecas Francesa e Italiana e tiveram um sucesso notável devido à quantidade de obras apresentadas e à grande publicidade feita em São Paulo e no Rio. É preciso sublinhar esta consagrada ao cinema francês que composta por mais de 200 filmes cobrindo todos os períodos, foi o maior ciclo do gênero realizado fora da França. Os festivais foram acompanhados de publicações de mais de cem páginas.
A Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro jamais parou de apresentar seus programas regularmente e na espera de seu auditório e de sua sede definitiva no Museu, ela começou a constituir um arquivo de filmes e uma documentação. Suas atividades culturais se limitam à cidade do Rio de Janeiro, mas suas repercussões tem contribuído para dar prestígio à cultura cinematográfica, porque todos os países seguem com atenção a vida artística do Rio. Este organismo conjuga seus esforços com os da Cinemateca Brasileira.

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A preocupação dos católicos diante do espetáculo cinematográfico data de 1936, quando a “Ação Católica Brasileira” criou no Rio de Janeiro seu serviço de informações cinematográficas para determinar a cota moral dos filmes, isto é, para aconselhar os espectadores e os orientar para os espetáculos que respeitavam os princípios católicos. No ano seguinte, São Paulo seguiu este exemplo criando sua “Orientação Moral dos Espetáculos”. A “Ação” foi a primeira instituição católica a executar um trabalho “cultural” cinematográfico, oferecendo cursos em 1951 no Rio. Em 1952, André Russkowski e Fernand Gadieu chegam ao Brasil e orientam algumas pessoas em suas atividades cinematográficas, que tem por resultado a abertura de um curso de iniciação cinematográfica em colégios católicos, sendo logo de princípio no “Colégio dos Pássaros” em São Paulo. No ano seguinte aparece o cineclube Asa (Ação Social Arquidiocesana) e a Conferência dos Bispos do Brasil cria o Centro de Orientação Cinematográfica para a orientação de espectadores sob a direção de R.P Guido Logger. O movimento assume um caráter nacional pelos esforços de alguns líderes que circulam para efetuar trabalhos em diferentes endereços do país. O Cineclube Pró Deo, forte hoje em dia, criado no sul do país, assim como outros no centro e no norte do país. A fundação de cineclubes por católicos se apóia em cursos de base, geralmente fracos e insuficientes para formar dirigentes. Mas é uma rede que estimula o desenvolvimento de centros com o encorajamento e o apóio de organismo religiosos locais. Com o fim de “formar o espectador”, os cineclubes e as outras instituições católicas se valem dos cursos cada vez mais estendidos e editam brochuras como “Curso de Cinema” e “Guia Cultural dos Filmes” ou “Elementos de Cinestitica (sic.)”. Este movimento tem conhecido uma expansão rápida e organizada; existem provavelmente mais de sessenta cineclubes católicos que não constituem, no entanto, um conjunto coerente. Com efeito, a maioria funciona com irregularidade em colégios secundários ou nos seminários, com quadros insuficientes para aprofundar os estudos cinematográficos.


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As edições cinematográficas no Brasil são limitadas. Agora nós começamos a publicar algumas traduções, mas os brasileiros que quiserem fazer avançar seus estudos cinematográficos devem recorrer às publicações estrangeiras. No mais, as livrarias brasileiras negligenciam este gênero de edição. As revistas de cultura cinematográficas são esporádicas e irregulares, e tendem a desaparecer após seu primeiro ou segundo número. As mais recentes tentativas são “A Revista de Cultura Cinematográfica”, financiada por um organismo católico e que é atualmente estável, “Cineclube” órgão da Federação dos Cineclubes do Rio de Janeiro, cujo primeiro número acabou de sair, a “Revista de Cinema” de Minas Gerais, que reaparece em sua nova fase, e enfim “Delírio” publicação não-conformista.
Notas
1 - Rudá esqueceu de acrescentar “moderna” ao nome do Museu, trata-se do MAM-SP e não do MASP (N. do T.)

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