sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Uma revisão do cinema digital - parte 1/2

Recentemente, tive duas experiências frustrantes como espectador: indo assisitir ao filme italiano Gomorra, no Unibanco Arteplex, em Botafogo, e ao filme nacional Deserto Feliz, no Estação Laura Alvim, em Ipanema. Em ambos os casos, em salas de cinema de duas empresas exibidoras diferentes, o ingresso era caro e a projeção dita "digital" era terrível. Desse modo, acho bastante pertinente a leitura deste instrutivo artigo de David Walsh, publicado no NFSA Journal, v.2, n.1, 2007, publicação do National Film and Sound Archive, da Austrália (original disponível na internet). Além de situar os termos do debate, ele nos ajuda a perceber muitos dos reais interesses na implementação no Brasil do cinema digital - ou, melhor, do Cinema Eletrônico, para usar a expressão do texto de Walsh -, onde essa revolução não está significando necessariamente que mais filmes cheguem com melhor qualidade e mais rapidamente a lugares distantes das grandes metrópoles. Pelo contrário, numa cidade como o Rio de Janeiro, por exemplo, cada vez mais continuamos pagando o mesmo preço caro para assistirmos aos mesmos filmes, nas mesmas salas que já existiam, só que agora em imagems em movimento totalmente pixaladas, sem textura e chapadas. Depois, não se sabe por que cada vez mais se vendem televisões sofisticadas e cada vez menos se tem vendidos ingressos para cinema... E não é a toa também que neste exato momente está chegando o IMAX ao Brasil (em São Paulo), com atraso de uns quarenta anos em relação à Europa e EUA, promentendo ótima projeção... em película. Enquanto isso, ainda querem que continuemos ir ao cinemas para asssitir a propagandas em powerpoint e filmes em vídeo.

Uma revisão do cinema digital - parte 1/2
de David Walsh
tradução de Rafael de Luna

Livros inteiros têm sido dedicados ao tema do cinema digital, uma tecnologia que tem o potencial para mudar dramaticamente o que vemos na tela grande, não apenas no formato das imagens, mas na nossa escolha da programação. Neste artigo irei analisar o impacto do cinema digital tentando responder a quatro questões básicas:
O que é o cinema digital?
O que é o cinema digital utilizado hoje?
Qual é o futuro para o cinema digital?
O que a Austrália está fazendo com o cinema digital? [1]
Meu objetivo é revisar o tema de uma perspectiva tecnológica; logo, parte do que eu disser pode exigir o uso de uma linguagem técnica. Entretanto, é meu intento que ao final deste artigo o leitor terá uma melhor apreensão das questões que eu propus. Além disso, tento prover um entendimento claro de qual é a posição estratégica do National Film and Sound Archive (NFSA) a respeito deste tema e como a organização vai fazer uso do cinema digital no futuro.

O que é o cinema digital?

Desde o nascimento da indústria cinematográfica há mais de um século atrás, o que as platéias têm experimentado no cinema tem sido em grande parte baseado na projeção de filmes em cópias de película 35 mm. O modelo de negócios que sustenta nossa experiência cinemática tem mudado pouco ao longo desse tempo. Um negativo é utilizado para prover o número de cópias necessárias de acordo com o provável potencial comercial de um filme. As cópias são então distribuídas para alguns cinemas de acordo com o padrão de lançamento ditado pela campanha de marketing relacionada. Se tivermos a oportunidade de assistirmos a um filme em seu circuito inicial num grande mercado, vamos compartilhar o prazer que pode vir da visão de uma cópia nova. Entretanto, se não assistirmos ao filme até tarde em seu padrão de lançamento, nós podemos testemunhar uma cópia que foi projetada inúmeras vezes e corremos o risco de que nossa satisfação seja prejudicada por problemas da cópia, com riscos sendo o mais comum deles. Se nós estivermos numa área regional e consequentemente fora das maiores áreas metropolitanas, é ainda mais provável termos uma experiência cinemática menos satisfatória devido ao fato de que a cópia já terá sido projetada centenas de vezes.

Uma coisa que mudou substancialmente desde o nascimento do cinema é a distribuição e o marketing dos filmes. Agora é comum lançar filmes em todo o mundo num período muito breve de tempo. Isso é parcialmente uma estratégia de marketing, mas também se deve à tentativa de diminuir o prejuízo da pirataria. Esse padrão de lançamento exige um grande número de cópias e levou a um aumento substancial dos custos de distribuição.

Nos últimos anos, como resposta a essas preocupações, a indústria cinematográfica tem se interessado pelo desenvolvimento de um metodologia alternativa de apresentação baseada no uso de tecnologia digital. Esse modelo consiste na distribuição e projeção de arquivos digitais no lugar de cópias. Essa abordagem é atraente por quatro razões principais:
  • Custos: O custo médio de feitura de uma cópia de um filme na Austrália é de aproximadamente 2 a 3 mil dólares australianos. Um padrão de lançamento comum na Austrália teria no mínimo 50 cópias. Se você olhar para mercados muito maiores como os EUA, Índia ou China e calcular o custo de das cópias de exibição de uma grande produção, é fácil de ver que há um poderoso incentivo para reduzir esses custos adicionais. Além dos gastos envolvidos com a feitura das cópias, há ainda o custo de transporte e destruição das cópias após a projeção.
  • Qualidade: Com a projeção baseada em arquivos digitais, a qualidade da imagem em movimento na tela será a mesma na milésima projeção assim como foi na primeira.
  • Segurança: Arquivos digitais reduzem o impacto da pirataria [2]
  • Flexibilidade da programação nas salas de cinema: Se todas as projeções são baseadas em arquivos, logo um exibidor tem muito mais opções para ajeitar a programação. É vital para entender que o que eu estou discutindo é um formato de apresentação e que o conceito de cinema digital usado neste artigo não tem nada a ver com o processo de produção do filme. Ter sido filmado em película, vídeo de alta definição ou em qualquer outro formato é insignificante neste contexto. Como se dá o processo até sua versão final também não é pertinente. Em algum ponto do processo de produção, uma matriz digital da versão final de lançamento pode ser criada e é a partir daqui que nossa história sobre apresentação do cinema digital começa.

Uma das maravilhas da atual apresentação em película é que ela é padronizada e tem sido assim por mais de cem anos sem nenhuma mudança significativa na estrutura básica do equipamento de projeção. Sim, existiram coisas como “formatos” com que se preocupar, mas se você tem as lentes corretas no seu projetor e a habilidade de fazer uma “janela” na imagem projetada, você pode exibir qualquer cópia nova de um filme em 35 mm e saber que as imagens serão nítidas, claras e, se o diretor tiver tido a intenção, você possivelmente será capaz de experimentar a riqueza e a sensação das imagens impressas na película.

Entretanto, com a projeção digital baseada em arquivos, a vida não é tão simples e antes de seguir adiante, é importante falar sobre dois conceitos que afetam a qualidade da imagem que você vê projetada na tela: resolução e compressão de imagem. No cinema digital, um simples fotograma de película 35 mm é representado como uma séria de pixels. Pixels é a abreviação de “Picture Element” (Elemento de Imagem), um pequeno ponto que é a menor parte de uma imagem como representada pelo computador. É a matriz desses pontos que constituem a imagem completa. Quanto mais pixels você tiver, maior será a resolução e mais detalhada será a imagem. Neste artigo, “resolução” ser refere ao número de pixels dispostos horizontalmente em um quadro [3]. Na indústria cinematográfica, esta é uma simplificação comum e usada como indicação da profundidade de detalhe ou da qualidade da imagem. Por exemplo, o recorrente termo “Resolução de 2K” que dizer 2048 pixels dispostos horizontalmente. Ou, para ser mais exato, uma imagem com resolução de 2K tem 2048 pixels por 1080 linhas verticais para cada quadro. [4] O termo “resolução de 4K” representa 4096 pixels horizontais por 2160 em cada quadro. Uma resolução de 1.4K tem 1400 pixels horizontais por nada maior do que 1050 linhas verticais, que significa essencialmente que você dispõe de muito menos informação digital com a qual representar as imagens em movimento do que com resolução de 2K. Como exemplo de contraste, uma resolução de 4K tem muitos mais pixels e logo deveria oferecer imagens mais ricas e detalhadas quando projetadas do que uma resolução de 1.4 K ou 2K. Também se deve ter em mente que a imagem digital é uma aproximação da imagem em película e não oferece a mesma qualidade de textura. Isso não quer dizer que é melhor ou pior: trata-se apenas de um modo diferente de representação visual.

Voltando ao conceito de compressão de imagem, se nós digitalizarmos um filme para obter uma resolução de 2K, nós vamos precisar de mais de 2 milhões de pixels para representar um único fotograma. Isso equivale a aproximadamente 10 Megabytes (MB) de memória de um computador. Para um filme de duas horas, um pouco menos de 2 Terabytes (TB) de um disco rígido será necessário para guardar o filme. Esses grandes tamanhos de arquivo não são práticos para a tecnologia de armazenamento e transmissão disponível hoje. Para o cinema digital ser comercialmente viável, há uma necessidade de comprimir as imagens de modo que o tamanho dos arquivos se torne mais manejáveis.

Falando genericamente, há duas formas de compressão que são relevantes para o cinema digital: compressão “sem perda” (lossless) e “com perda” (lossy). A compressão “sem perda” é uma técnica na qual o conteúdo imagético de um objeto de uma imagem em movimento digitalizada é comprimido sem perda de informação e a imagem não é alterada. A compressão “com perda”, por outro lado, está realmente envolvida na alteração da imagem e há informação perdida. A compressão “com perda” é sempre mais eficiente em termos de armazenamento de arquivos, mas em altos níveis de compressão a imagem é marcadamente diferente da imagem original. A compressão “sem perda” é menos eficiente em termos de armazenamento (alcançando aproximadamente uma redução de três para um no tamanho do arquivo necessário para imagens em movimento). Existem vários padrões de compressão “com perda” e alguns exemplos conhecidos incluem MPEG 1, MPEG 2 (o formato mais utilizado para vídeo digital) e MPEG 4 [5].

Existem basicamente dois grandes tipos de projeção baseadas em arquivos no mundo hoje e a grande diferença entre elas é a resolução na tela (o papel da compressão será discutido mais adiante). Imagens em movimento projetadas digitalmente com uma resolução na tela de menos de 2K são comumente conhecidas como E-Cinema (para “cinema eletrônico”). Imagens em movimento projetadas digitalmente com resolução de tela de 2K ou maior são conhecidas como D-Cinema (para “cinema digital”). Neste artigo eu vou me prender a essas duas definições quando me referir especificamente a cada um desses formatos. Entretanto, o leitor deve estar ciente de que na indústria cinematográfica a expressão “cinema digital” é frequentemente utilizada para todo o espectro de resoluções na tela. Em outras palavras, o termo é empregado coletivamente como um descritor tanto do D-cinema quando do E-cinema. Como a terminologia corrente não tem nada melhor para oferecer, eu também vou usar o termo cinema digital neste sentido genérico para os objetivos de meu argumento.

Então, vamos dar uma olhada nesses dois tipos de cinema digital. Primeiro, uma rápida visão no D-Cinema. Um desenvolvimento importante no campo do cinema digital foi o lançamento em 2005 de um padrão que define as exigências técnicas para a codificação, masterização, distribuição, segurança e apresentação de trabalhos em cinema digital. Esse padrão, o Sistema de Especificação do Cinema Digital (versão 1.0, proposta em 20 de julho de 2005), é o produto de um consórcio conhecido como Iniciativas do Cinema Digital (DCI – Digital Cinema Initiatives), que foi criado em março de 2002 como uma joint venture entre a Disney, Fox, MGM, Paramount, Sony Pictures Entertainment, Universal e Warner Bros Studios. O Consórcio DCI estabeleceu que “o principal objetivo da DCI é estabelecer e documentar voluntariamente especificações para uma arquitetura aberta para o cinema digital que garanta a uniformidade e o alto nível de performance técnica, confiança e controle de qualidade" (veja o site http://www.dcimovies.com/).

Há três elementos chaves no padrão DCI para nossa discussão: resolução, compressão e segurança. O primeiro elemento chave é que o padrão definiu a resolução de 2K como o padrão mínimo de projeção para o cinema digital. O padrão também apóia a resolução 4K e muitos na indústria reconhecem o 4K como o eventual padrão futuro para o cinema digital. É importante salientar que o padrão DCI não deixa espaço para resoluções abaixo de 2K (e logo para o termo E-cinema, que as pessoas de dentro de Hollywood costuma usar num sentido pejorativo). No futuro e por muitos anos ainda por vir, os estúdios de Hollywood irão produzir dois formatos diferentes de distribuição para seus filmes – cópias em película 35 mm e arquivos de cinema digital de 2K de acordo com as normas do DCI, que poderão ser projetados somente em salas de cinema com equipamentos adequados aos padrões do DCI.

O segundo elemento chave dos padrões do DCI é que o protocolo exige o uso de compressão sem perda padrão JPEG 2000 [6]. Isso significa que o servidor usado em cada cinema em conformidade com o DCI deve ser capaz de decodificar JPEG 200 para projeções.

O terceiro elemento chave dos padrões DCI é segurança. O padrão exige tanto encriptação (encryption) dos arquivos de cinema digital e o uso de trilhas (pathways) de segurança em todas as etapas da cadeia de distribuição e exibição. Além disso, os arquivos de cinema digital podem ser distribuídos via satélite, através de uma rede virtual privada em um link de telecomunicações de alta velocidade, ou através de um disco rígido (geralmente um drive USB).

O padrão DCI é independente de qual metodologia for utilizada. Desde que sua segurança seja garantida por rígido controle de acesso, qualquer método de distribuição pode ser utilizado. Esta é uma área de redução substancial de gastos, já que o custo de transporte de vários rolos de filme é significativamente mais alto que os custos de transporte de um disco rígido, que atualmente é o método mais econômico de distribuição de arquivos de cinema digital.

continua...

NOTAS
1 - Este artigo é formado por duas partes. A segunda, que trata da estratégia do NFSA em relação à tecnologia digital e que responderia a essa questão, não será colocada no blog [N.T.]
2 - Esta é uma questão significativa em um país como a Índia, onde foi estimado que a pirataria estava diminuindo em até 40% o lucro potencial da indústria cinematográfica antes da introdução do cinema digital [N.A.]
3 - Embora a palavra em inglês seja a mesma - frame - preferi utilizar fotograma quando se referir ao menor elemento do filme em película e quadro para o equivalente de uma obra em arquvo digital [N.T.]
4 - Para tornar as coisas mais simples, eu usei o padrão DCI que é descrito em seguida neste artigo ao invés de entrar em taxas de formatos e digitalização [N.A.].
5 - MPEG siginifca Moving Picture Experts Groups, que é um padrão ISO (International Standards Organization), grupo de trabalho responsável pela definição de padrões para a codificação (enconding), compressão e transmissão de imagens em vídeo [N.A.]
6 - JPEG significa Joint Photographic Experts Group, um comitê da ISSO. Esse comitê desenvolveu o padrão de compressão JPEG 2000.

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