terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Acervo do Tempo Glauber vai para Cinemateca Brasileira

Eu já tinha ouvido essa informação na semana passada, mas parece que ela já chegou à imprensa. Como saiu no Diário do Pará, "O acervo pessoal do cineasta baiano Glauber Rocha, atualmente arquivado no Tempo Glauber, fundação criada pela sua família, no Rio de Janeiro, está prestes a ser adquirido pelo Ministério da Cultura e será transportado para a Cinemateca Brasileira, em São Paulo".
Já me disseram que era besteira eu ficar "queimando bandeiras" por conta de uma situação aparentemente irreversível, mas não consigo deixar de comentar o quadro atual, que é o seguinte: Qualquer interessado na história do cinema brasileiro que quiser pesquisar o acervo do ator e diretor carioca Raul Roulien, nascido no Rio de Janeiro e uma das figuras mais importantes de nosso cinema nos anos 1930 e 1940 terá que ir à São Paulo. Se o pesquisador preferir estudar as chanchadas cariocas e particularmente o principal estúdio associado ao gênero, a Atlântida, terá que consultar o acervo atualmente em São Paulo. Por fim, se a opção for pelo cineasta baiano, radicado no Rio de Janeiro, que se tornou o principal expoente do Cinema Novo, o mesmo pesquisador terá que, mais uma vez, tomar o rumo de São Paulo a partir de agora.
Posso ser acusado de bairrista. É, talvez seja besteira se preocupar com isso, pois se formos ler a Veja Rio de algumas semanas atrás, a situação do mercado de cinema em nosso Estado é maravilhosa. Tropa de Elite II bate recordes de bilheteria, os vampiros da saga Crepúsculo vêm sugar o sangue de cariocas e os astros decadentes da série Velozes e Furiosos fazem seus "pegas" na ponte Rio-Niterói. Se a juventude gloriosa da Zona Sul está contente, por que se preocupar com papéis velhos, de filmes brasileiros velhos. O governo do Estado do Rio de Janeiro também está muito mais contente em alardear o sucesso de produções realizadas na cidade maravilhosa, mesmo que a Secretaria de Cultura do Estado ou do Município não tenham nada a ver com isso. O Estado tem a futura sede do MIS em Copacabana para se gabar, ainda que o projeto seja de mais um típico museu "digital", isto é, ao invés de acervo (além do que sobrou do MIS depois de anos de descaso), teremos dezenas de telas LCD... Afinal, é a marca da grife de museus da Fundação Roberto Marinho, que depois de ganhar uma boa grana em São Paulo, está investindo no mercado museológico do Rio...
Enquanto isso, em São Paulo, um eficiente dono de botequim faz a festa no campo da preservação audiovisual com o apoio entusiasmado do Governo Federal. A lógica é a do comerciante: compra-se no atacado (de preferência acervos de instituições endividadas ou de estúdios interessados em se livrar do problema) e vende-se no varejo. O pesquisador que precisar de uma imagem digitalizada ou alguns minutos de imagens em movimento vai sentir no bolso. Mas, afinal, quem está preocupado com isso?

domingo, 21 de novembro de 2010

Acervos de rádio

Quem pesquisa e estuda a história do cinema brasileiro sabe que tem muitas dificuldades pela frente, sobretudo quando se interessa pelo passado mais distante de nosso cinema. A maior parte dos filmes não existem mais, os bons estudos sobre o assunto são poucos, os arquivos disponíveis apresentam várias lacunas, e de alguns tipos de documentos (roteiros, dados de produção, material publicitário etc) sobreviveu muito pouco.
Entretanto, quem se aventura em outras áreas - como é o meu caso que tenho pesquisado para minha tese de doutorado o passado do rádio brasileiro -, descobre que as dificuldades são as mesmas ou até maiores. No caso do rádio, muitos dos programas criados e irradiados eram realizados ao vivo e só podem ser resgatados pelo que sobrou de roteiros e transcrições (originais ou publicadas na imprensa). Obviamente, muitos programas também foram registrados em discos para serem transmitidos em outras estações ou ocasiões, mas também muito pouco desse material chegou aos dias de hoje.
Personalidades fundamentais da história do cinema brasileiro, como Oduvaldo Viana, Ruy Costa, Mário Brasini e José Medina, também tiveram atuações destacadas no rádio e para traçar um quadro mais completo do meio cultural brasileiro dos anos 1940, por exemplo, não é possível deixar de pesquisar a fundo os arquivos de rádio e de cinema. Tive a oportunidade de pesquisar no acervo Oduvaldo Viana, depositado, organizado e tratado pela Funarte, no Rio de Janeiro, e ele traz documentos fundamentais para pesquisas sobre o cinema e o rádio brasileiro.
Durante essas pesquisas, fico me perguntando onde teriam ido parar arquivos pessoais de figuras fundamentais como Oduvaldo, mas talvez menos conhecidas hoje, que também tiveram trajetórias de destaque não só no rádio e cinema, mas também teatro. Penso em críticos e autores como Celestino Silveira ou Raimundo Magalhães Júnior, para dar dois exemplos.
Entretanto, o mais surpreendente (e triste) não é só pensar no que pode ter se perdido, mas o que, mesmo tendo sobrevivido até os dias de hoje, ainda pode se perder por desinteresse e desleixo de instituições de pesquisa, apesar da dedicação apaixonada de familiares e pesquisadores.
Nesse caso, recomendo a leitura do artigo "Rádio Sociedade do Rio de Janeiro: o triste fim de uma memória", publicado no site www.joaodorio.com e que me inspirou escrever esse post.
Dá o que pensar.

domingo, 31 de outubro de 2010

Seminário da Herança Audiovisual

Em comemoração ao Dia Mundial da Preservação da Herança Audiovisual

Os Diários Associados do Rio de Janeiro, em parceria com o Arquivo Nacional, vão realizar o Seminário da Herança Audiovisual, em consonância com o indicativo da UNESCO e apoiado pela Federação Internacional de Arquivos Fílmicos – FIAF, em empreender atividades referentes ao Dia Mundial da Preservação da Herança Audiovisual, comemorado em todo mundo desde 2005.
O objetivo desta data é a disseminação das ações empreendidas na salvaguarda da memória audiovisual da humanidade. Associamos essa importante iniciativa ao projeto de parceria no tratamento documental e salvaguarda da memória do acervo da TV Tupi / RJ, que compõe relevante parcela da história da televisão brasileira.


1° dia (09/11) – Terça-feira

18:00 - Abertura: Seminário da Herança Audiovisual | Arquivo Nacional, Jornal do Commercio e Rádio Tupi | Bradesco Seguros e Cesgranrio

- Coquetel de abertura | apresentação de quarteto de jazz | apresentação de vídeo institucional sobre a história da TV TUPI


2º dia (10/11) – Quarta-feira

14:00- História da Televisão Brasileira

Mediadora: Lacy Barca (TV Brasil) – Abertura da mesa, convite e apresentação dos palestrantes para comporem a mesa

Sílvia Fiúza (gerente de Conhecimento Projeto Memória Globo e Globo Universidade)

Nelson Hoineff (cineasta)

Jorge Adib (co-autor do livro “50 anos de TV no Brasil”)

Vida Alves (atriz e presidente do instituto Pró-TV e do Museu da TV) – homenagem e entrega de buquê à atriz

Abertura da mesa para o debate e inscrição de perguntas pelos participantes

Lacy Barca – Encerramento da mesa e considerações finais


17:30 - Coffee break
18:00 - Projeção do filme “Alô, Alô Terezinha!”, de Nelson Hoineff


3º dia (11/11) – Quinta-feira

14:00 - Projeto Resgate da TV Tupi (Rio e São Paulo)

Mediadora: Wanda Ribeiro - Abertura da mesa, convite e apresentação dos palestrantes para comporem a mesa

J. Almeida Castro (autor do livro “TUPI – Pioneira na TV Brasileira”)

Luiz Sérgio Lima e Silva (autor do livro “TV Tupi, uma Viagem Afetiva”, jornalista e curador do Memorial Norma Suely)

José Maria Pereira Lopes (ex-funcionário TV Tupi São Paulo)

Abertura da mesa para o debate e inscrição de perguntas pelos participantes

16:00 - Coffee break
16:20- Exibição de imagens inéditas da TV Tupi – RJ e SP


4º dia (12/11) – Sexta feira

10:00 - Diretor-Geral do Arquivo Nacional – Professor Jaime Antunes
10:30 - Palestra

Hernani Heffner - conservador-chefe da Cinemateca do MAM, pesquisador e coordenador de projetos da Cinédia. Palestra “O projeto de digitalização do acervo Cinédia”
12:00 - Intervalo
14:00- Mesa Redonda

"A Contribuição da Cinédia no Processo de Industrialização do Cinema Brasileiro"

Mediador: Mauro Domingues - Abertura da mesa, convite e apresentação dos palestrantes para comporem a mesa

Dona Alice Gonzaga – diretora da Cinédia

Rafael de Luna (pesquisador em História do cinema brasileiro, preservação audiovisual e tecnologias das imagens em movimento)

Luiz Alberto Rocha Melo (pesquisador-titular do Projeto Alex Viany, depositado na Cinemateca do MAM)

João Luiz Vieira (professor associado III do Departamento de Cinema e Vídeo e do corpo permanente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFF)

Abertura da mesa para o debate e inscrição de perguntas pelos participantes

16:30 - Coffee Break
17:00 - Homenagem à Cinédia (professor Jaime Antunes – Diretor-Geral do Arquivo Nacional) apresentação do Coral do Arquivo Nacional e exibição do curta metragem produzido pelo AN, em homenagem a Cinédia.
18:00 - Exibição do filme “Maridinho de Luxo”, de Adhemar Gonzaga – 1937
20:00 - Coquetel de encerramento

***Entrega dos certificados na recepção durante o evento

Data: de 9 a 12 de novembro de 2010 (de terça a sexta-feira)
Local: Arquivo Nacional (auditório principal): Praça da República, 173 – Centro – Rio de Janeiro
Realização: Arquivo Nacional e Jornal do Commercio / Rádio Tupi
Patrocínio: Bradesco Seguros - Cesgranrio

sábado, 16 de outubro de 2010

Encontro Nacional de Arquivos Audiovisuais

Na próxima quarta-feira começa o IV Congresso Nacional de Arquivologia - CNA, em Vitória, Espírito Santo. Participarei do Encontro Nacional de Arquivos Audiovisuais que será realizado durante o evento, e ministrarei um mini-curso. Segue abaixo a programação, que pode ser encontrada no site do CNA.

Dia 22/10
5
- Encontro Nacional de Arquivos Audiovisuais:
Coordenadores: Marcelo Nogueira de Siqueira (Arquivo Nacional)

13h30 - Abertura: André Malverdes (UFES)

13h40 - Conferência: “A Câmara Técnica de Documentos Audiovisuais, Iconográficos e Sonoros”
Marcelo Nogueira de Siqueira (Arquivo Nacional)

14h10 - Mesa 1: Acervos e Pesquisa no Audiovisual
Mediadora: Anna Carla Mariz (UNIRIO)

A história do mercado exibidor cinematográfico local através da pesquisa em jornais e dos arquivos pessoais: um estudo de caso do “Projeto Cine Memória: a história das salas de cinema do ES”
André Malverdes (UFES)

Terminologia em arquivos audiovisuais
Thiago Vieira (Arquivo Nacional)

Perspectivas para a digitalização de películas cinematográficas no Arquivo Público do Estado do Espírito Santo
Sergio Oliveira Dias (Arquivo Público do Estado do Espírito Santo)

15h40 - Mesa 2: Políticas de preservação e conservação preventiva
Mediador: Mauro Domingues (Arquivo Nacional)

Higienização e acondicionamento de documentos sonoros do Arquivo Nacional
Mauro Domingues (Arquivo Nacional)

Conteúdos Multimídia: convergência, integração e preservação

Antônio Carlos de Almeida (Rede Gazeta)

O campo da preservação audiovisual: reflexões e perspectivas
Rafael de Luna (UFF/ABPA)


MINI CURSO 1 - dias 20 e 21/10

O que é cinema? Conhecer para preservar: subsidios para identificação e classificação de obras audiovisuais em suporte cinematográficos, com o Prof. Rafael de Luna (UFF/MAM-RJ)


Inspirando-se no título do livro do célebre crítico francês André Bazin (qu'est-ce que le cinéma?) e no do fundamental trabalho do arquivista audiovisual espanhol Alfonso Del Amo (Classificar para preservar), o mini-curso pretende, inicialmente, questionar o que vem a ser o que chamamos de cinema ou filme. A partir dessa indagação e nos remetendo, através da história do pré-cinema (com menção ao teatro de sombras, lanterna mágica, teatro ótico, kinetoscopio, mutoscópio etc.), à origem no final do século XIX do que hoje entendemos como o espetáculo cinematográfico - a projeção de imagens fotográficas em movimento e sua visão coletiva por uma platéia -, consolidaremos uma definição de registro ou documento audiovisual.

A partir daí, o mini-curso investirá na análise das diversas caracterísicas físicas dos registros das imagens em movimento, acompanhadas ou não de som, ao longo do século XIX e XX, descrevendo singularidades referentes ao tipo de suporte plástico, emulsão fotográfica, bitola, formato, perfuração etc., fornecendo subsídios para a classificação adequada dos materiais cinematográficos.

Por fim, nos remetendo a reflexões no campo da preservação audiovisual, da história e teoria do cinema, debateremos a equivalência entre a preservação do documento audiovisual e a preservação do cinema, atentando para particularidades sociais, estéticas, tecnológicas e econômicas da exibição cinematográfica.

O mini-curso constitirá em aulas expositivas, acompanhadas da exibição em powerpoint de imagens ilustrativas dos temas tratados, da projeção de vídeos relacionados às questões discutidas, e da apresentação física de materiais fílmicos para exemplificar suas diferentes características.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Filmes como peças de museu: mostra John Ford

No Rio de Janeiro - e possivelmente nas principais cidades do país - a difusão da história do cinema, uma tarefa essencial dos arquivos de filmes e cinematecas, tem sido exercida sobretudo por centros culturais que contam com mais recursos financeiros para levar a cabo tais iniciativas. Diversos centros culturais espalhados pelo país, a maioria patrocinados por bancos, como o Instituto Moreira Salles, Itaú Cultural, Caixa Cultural e Centro Cultural do Banco do Nordeste, assumem esse papel através da produção de mostras e festivais de cinema. Nesse campo, porém, o destaque inegável é do já veterano Centro Cultural Banco do Brasil - CCBB.
Enquanto a Caixa Cultural e outros centros culturais (e cinematecas) tem se restringido cada vez mais a mostras de DVD, mais baratas e simples, o CCBB tem se destacado por patrocinar grandes mostras panorâmicas cuja programação consiste de cópias 35mm vindas de diferentes partes do mundo, como já foi notado em outro texto deste blog. Ou seja, assume a tarefa - também dos arquivos de filmes - de tentar apresentar as obras cinematográficas em seus formatos originais ou mais próximo possível deles.
Mas além de mostras de diretores contemporâneos consagrados (como Pedro Costa ou Tsai Ming-Liang), chama atenção a organização no CCBB-RJ de mostras que exibem "filmes antigos", produzidas, em grande parte, por jovens cinéfilos formados não em Produção Cultural, mas em cinema.
Podemos citar as mostras dedicadas a Robert Altman, Woody Allen, Agnes Varda, Alain Resnais, F.W. Murnau, Ozu ou o Cinema Novo Indiano, cujos produtores "penaram" para conseguir cópias em película (e novas ou pelo menos em bom estado) tanto de obras do período silencioso quanto de longas dos anos 1950, 1960 ou 1970. Como nossas Cinematecas são extremamente precárias no que se refere a um acervo de filmes estrangeiros (e continuarão sendo, ao contrário da França, onde existe há anos uma lei de depósito obrigatório de cópias de qualquer filme estrangeiro lançado comercialmente no país), essas mostras contaram e permanecerão contando essencialmente com cópias estrangeiras, ampliando os custos dos eventos com transporte e legendagem eletrônica.
Dentro desse panorama, duas mostras recentes do CCBB me chamaram atenção: Faroeste Spaghetti e John Ford. Em ambas vi algo muito raro: filas e a sala lotada para ver "filmes antigos". Isso não é algo excepcional em outros países. No Cine Doré, da Filmoteca Española, tive que lutar para encontrar um lugar para assistir A feitiçaria através dos tempos, filme nórdico de 1922. Na Cinematheque Ontario, em Toronto, quase não consegui comprar ingresso para uma mostra dedicada a Akira Kurosawa. Em Los Angeles, no cinema do arquivo do UCLA, fui literalmente o último a conseguir entrar para a sessão de uma cópia restaurada do musical inglês Sapatinhos vermelhos, de 1948. Entretanto, há muito que eu não via isso acontecer no Rio em cinemas que não fossem de shopping exibindo blockbusters como Avatar ou Tropa de Elite 2.
Tanto no caso da mostra dedicada ao bangue bangue à italiana quanto ao mestre do western, o público é atraído tanto pelo ineditismo de alguns filmes quanto pela qualidade da projeção em película de títulos mais conhecidos. Nem tudo está na internet e filmes raros da época silenciosa de John Ford certamente não são fáceis de ser encontrados, funcionando como motivo de atração para os cinéfilos. Por outro lado, clássicos como Paixão dos Fortes, Vinhas da Ira ou Como era verde o meu vale já foram lançados em bons DVDs nacionais há muito tempo, mas mesmo assim muita gente não conseguiu ingresso para a sessão do primeiro hoje no CCBB.
Esse "frisson" certamente está associado ao fato de há muitos anos não se ficar sabendo de uma cópia 35mm de umas dessas obras-primas por aqui. Em nosso país, o "cinema clássico", por exemplo, de um John Ford, tem ficado restrito soemnte à TV, internet ou vídeo O mesmo acontece com vários outros grandes cineastas. A Cinemateca do MAM tinha uma cópia 35mm excelente de O tesouro de Sierra Madre já exibida milhões de vezes, mas outros filmes de John Huston, não são projetados há anos em nossas telas de cinema. De vez em quando há relançamentos de algum clássico, como o de Disque M para matar há mais de dez anos, ou de Janela indiscreta também há algum tempo. Mas e quanto a Sombra de uma dúvida ou Pacto Sinistro, para falarmos de outros filmes de Hitchcock? Novamente para citar o MAM, lá existe apenas uma cópia 16mm de A dama oculta já estropiada de tantas vezes que foi exibida...
Além dos clássicos, há os filmes menos conhecidos. Toda uma geração (a minha inclusive) asssistiu aos filmes do Terrence Hill na sessão da tarde da TV, mas quantos já tinham visto seus primeiros faroestes antes dele se consagrar como o parceiro de Bud Spencer em comédias? Muita gente já viu a trilogia do Sergio Leone, mas quantos assistiram aos close-ups de Era uma vez no Oeste se agigantarem na tela grande?
Num futuro cada vez mais próximo que testemunhará o fim da película cinematográfica (ou seu uso cada vez mais restrito), Paolo Cherchi Usai imaginou um cenário em que toda cópia em película se tornará um objeto "único", uma peça de museu, sendo logo tratada da mesma forma. Usai previu, por exemplo, o estabelecimento de novos procedimentos para o empréstimo de um filme, como a necessidade de uma cópia viajar acompanhada de um funcionário responsável por sua integridade, assim como acontece com o transporte de um quadro ou escultura de um museu para outro. Isso implica uma nova postura das salas de cinema, que se as cinematecas buscam respeitar, os centros culturais ainda precisam se adequar. Afinal, o mesmo CCBB já teve problemas por danificar cópias raras durante a projeção em algumas de suas mostras. Quando há cuidado e precaução, há falta de adequação: os projetores do CCBB não estão aparelhados para exibir a velocidade do cinema silencioso (16, 18 ou 20 fotogramas por segundo). Hoje, na mostra John Ford, o filme Bucking Broadway (1917), cuja duração seria de 49 minutos, foi exibido em menos de trinta, com tudo se movendo mais rápido na tela... Se no Rio, que eu saiba só a Cinemateca do MAM, o Cine Odeon e o IMS tem projetores com mecanismos para variação de velocidade, esse "luxo" é algo que mesmo os Centros Culturais mais "sérios" devem possuir ou adquirir.
Se há novas demandas para os organizadores das mostras, uma nova postura tem sido exigida também dos espectadores. No início das sessões da mostra John Ford, seus organizadores gentilmente alertam o público sobre intervalos que ocorrerão na projeção durante os rolos (ou seja, a cada 22 minutos aproximadamente) devido à manutenção das pontas de segurança de cada rolo. Não é frescura e o mesmo já é exigido para a exibição de cópias novas cedidas pela própria Cinemateca Brasileira (foi o caso de O bandido da Luz vermelha, numa mostra que produzi dois anos atrás). Agora, passa a ser exigida uma certa tolerância do espectador diante de uma cópia que se tornou uma peça de museu - uma obra da cultura de massa que ganhou status de obra de arte. Se estamos acostumados a ler um gibi em nossas mãos, dobrando as páginas para trás, o mesmo não pode ser feito mais com um número raro de Batman ou Super-homem, exibido em museus com luz controlada, atrás de vidros ou a uma distância mínima do público.
Se com a sofisticação dos multiplex e o altíssimo do preço dos ingressos ver um filme novo vai se tornando uma diversão elitista como ir a um concerto ou à ópera, assistir a uma cópia 35mm de um filme antigo, por sua vez, vai se transformando em algo como uma ida a um museu. Bem, assim como os museus do Rio também lotam quando exibem exposições de Rodin ou Picasso, por que não o CCBB numa mostra de John Ford?

domingo, 10 de outubro de 2010

Home movie day

Segue o anúncio de uma excelente iniciativa da Cinemateca Brasileira, promovida graças ao trabalho de Lila Foster, crítica e pesquisadora de cinema que tem se dedicado ao tema (e à causa) do filme familiar e sua preservação no Brasil. O "dia do filme caseiro" (por que o nome não foi traduzido para português?) tem ocorrido com sucesso em diversos países, sendo uma forma, inclusive, dos arquivos reunirem os novos filmes familiares, feitos no efêmero suporte digital, que, diferentemente dos antigos filmes em 9,6mm, Super 8mm etc., podem ser apagados facilmente ao alcance de um botão DEL (delete).
Esperamos que a idéia vingue não só em São Paulo, mas em várias outras cidades do país.


HOME MOVIE DAY
16 de outubro de 2010
A Cinemateca Brasileira celebra pela primeira vez, no dia 16 de outubro, o HOME MOVIE DAY. Iniciativa criada por arquivistas audiovisuais preocupados com a preservação e a difusão de filmes amadores produzidos nas bitolas 9.5mm, 8mm, Super-8 e 16mm, o HOME MOVIE DAY nasceu em 2003 e, atualmente, é celebrado em diversas cidades e cinematecas do mundo.
Registros familiares, filmes de viagem, documentários e produções experimentais e narrativas ficcionais rodadas por equipes não-profissionais, esses materiais tornaram-se praticamente invisíveis. Levando em conta a importância da produção amadora enquanto expressão artística e documento histórico, o HOME MOVIE DAY faz parte de um esforço internacional para a conservação e exibição desse valioso acervo. Para festejar a data, a Cinemateca Brasileira reúne em dois programas uma seleção de raridades de seu acervo e curtas realizados pela produtora Mistifilmes, criada em 1975. Além disso, reserva também um espaço na grade de programação do dia para a projeção de filmes trazidos pelo próprio público.
O primeiro programa inclui curtas rodados nas décadas de 1930 e 1950 pelo fotógrafo Sioma Breitman, na cidade de Santa Maria (RS). Nascido na Ucrânia em 1903, Breitman abandonou sua terra natal para fugir da Revolução Russa. Chegou a Porto Alegre em meados dos anos 1920, onde abriu um estúdio e fotografou inúmeras personalidades da política e das artes da época – entre elas, o presidente Getúlio Vargas e o compositor Heitor Villa-Lobos. Tomado pela “febre do 16mm”, registrou cenas de sua vida familiar e eventos militares e eclesiásticos.
Também serão exibidas cinco produções do Foto-cine Clube Gaúcho, fundado em Porto Alegre em 1951, por um grupo de fotógrafos amadores. Além do curta policial O Caso da joalheria, de João Carlos Caldasso, o programa apresenta as animações Guerra e paz, de Nelson França Furtado, Dentista Bossa-Nova, de Moacyr Flores, e a comédia O Padre nu, também de Caldasso, baseada no conto O Homem nu, de Fernando Sabino. Fecha o programa um dos filmes domésticos feitos pelo médico Fernando Machado Moreira nos anos 1950. Originalmente depositados na Cinemateca Capitólio, em Porto Alegre, os materiais serão exibidos em cópias restauradas pela Cinemateca Brasileira, fruto de projeto patrocinado pela Petrobras.
O segundo programa é composto por seis produções da Mistifilmes, empresa liderada pelo cineasta amador Gercio Tanjoni e que realiza filmes de maneira independente, sem fins lucrativos. Em atividade desde a década de 1970, dedica-se à luta pelos valores ecológicos, em diálogo com a cultura hippie. Dentre os filmes programados, destacam-se Caminhos, seu primeiro super-8, e os documentários Folclore de Engenheiro Goulart e Jardim Nazaré, ambos dirigidos por Tanjoni, e que reúnem imagens raríssimas de bairros da cidade de São Paulo na década de 1980, locais ainda não afetados pelo progresso desordenado.
Como participar do Home Movie Day ?
Cineastas amadores ou quaisquer pessoas que tenham registros familiares nas bitolas 8mm, super-8 e 16mm, e queiram assisti-los em tela grande, podem trazer seus filmes à Cinemateca para exibição no HOME MOVIE DAY. O horário para recebimento dos filmes, no dia 16 de outubro, é das 13h00 às 17h00. Antes da projeção, os materiais serão avaliados e preparados pela equipe da Cinemateca. Caso apresentem condições técnicas adequadas, serão exibidos ao público a partir das 18h00, respeitando um limite de, no máximo, 20 minutos para cada realizador/colecionador.
Não indicado para menores 12 anos
CINEMATECA BRASILEIRA
Largo Senador Raul Cardoso, 207
próximo ao Metrô Vila Mariana
Outras informações: (11) 3512-6111 (ramal 215)

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Curso "Uma história da tecnologia do cinema"

Mais uma divulgação pessoal...

PALESTRA - terça 28 set. 19h – ENTRADA FRANCA

Uma história da tecnologia do cinema.

Professor: Rafael de Luna Freire.

VAGAS LIMITADAS!!!

INSCRIÇÕES NO LOCAL OU ENVIE EMAIL PARA: tercariocarioca@gmail.com

LOCAL: ESPAÇO RIO CARIOCA End.: Rua das Laranjeiras, 307.

Acesso pela Rua Leite Leal, nº. 45 Laranjeiras. Rio de janeiro – RJ

+INFORMAÇÕES:

BLOG: tercaculturalriocarioca.blogspot.com

www.espacoriocarioca.com.br

CURSO

Uma história da tecnologia do cinema

25, 26 e 27 de outubro - 19h às 22h

Professor: Rafael de Luna Freire


Aulas expositivas acompanhada da projeção de filmes raros e da exibição de objetos e artefatos que ilustram a história tecnológica do cinema. O curso mostrará que tendo surgido como uma invenção científica ou um espetáculo de magia, a técnica - e os chamados "efeitos especiais" - exerceram um papel fundamental, ainda que negligenciado, na trajetória da sétima arte dos primórdios aos nossos dias.


25 DE OUTUBRO - segunda - 19h às 22h - Aula 1

De onde veio o cinema: o Pré-cinema e a criação do cinematógrafo.

Convencionou-se dizer que o cinema surgiu em 1895, em Paris, com os irmãos Lumière, mas o que veio antes disso? O chamado "pré-cinema", com os diversos tipos de espetáculos populares, invenções tecnológicas e trabalhos científicos, será apresentado através de uma longa trajetória que culminou com a consolidação da filmagem e projeção de imagens fotográficas em movimento. Do teatro de sombras às projeções de lanternas mágicas, uma fascinante história precedeu o que nós hoje conhecemos como o cinema.

Observação: Durante a aula será realizada uma projeção de lanterna mágica!


26 DE OUTUBRO - terça - 19h às 22h - Aula 2

O som no cinema (silencioso e sonoro)

Antes do surgimento do "cinema sonoro" no final da década de 1920, várias experiências pioneiras já tinham sido tentadas para dotar os filmes de acompanhamento de vozes, músicas e ruídas. A aula apresentará algumas das mais engenhosas tentativas de unir o som às imagens, exibido filmes raros que mostram que o cinema silencioso nunca foi totalmente mudo. Discutiremos ainda os processos que levaram à consolidação do cinema falado (Vitaphone, da Warner, Movietone, da Fox) e as novidades que se seguiram nessa trajetória, como o cinema estereofônico, o sistema Dolby e, finalmente, o digital.


27 DE OUTUBRO - quarta - 19 às 22h - Aula 3

A cor no cinema

O cinema nunca foi totalmente preto e branco, pois desde os seus primórdios já existiam processos e meios de dotar de cores as imagens fotográficas projetadas nos cinematógrafos. Apresentando e discutindo os processos que foram utilizados durante o cinema silencioso, como os filmes pintados à mão, tintados e virados, como a cor foi inicialmente utilizada pelo cinema e sua significação estética. Abordaremos ainda a consolidação do Technicolor e do filme tri-capa (Eastmancolor) entre os anos 1930 e 1950 que ajudaram a associar o preto-e-branco ao passado do cinema, buscando investigar ainda o papel da cor na estética do cinema.

INVESTIMENTO P/ CURSO: 25, 26 e 27 de outubro - 19h às 22h

Taxa de inscrição: R$ 20,00


Inscrevendo-se no dia: R$ 70,00 cada dia ou R$ 200,00 os 3 dias.
(meia entrada para estudantes com carteirinha e maiores de 60 anos)

PROMOÇÃO:

Inscrevendo-se até 22/10(sexta): R$ 35,00 cada dia ou R$ 100,00 os 3 dias.

VAGAS LIMITADAS !!!
INSCRIÇÕES NO LOCAL OU ENVIE EMAIL PARA: tercariocarioca@gmail.com

LOCAL: ESPAÇO RIO CARIOCA

End.: Rua das Laranjeiras, 307.

Acesso pela Rua Leite Leal, nº. 45 Laranjeiras.

Rio de Janeiro – RJ – tel.: 21-2225-7332

Lanternas mágicas - dois links

Uma dica de dois excelentes sites sobre o universo das Lanternas Mágicas:

Peabody Magic Lanter and Glass Slide Collection -coleção da San Diego University com exemplos de vários slides e lanternas de diferentes tipos e épocas, com textos informativos sucintos e interessantes.

Dick Balzer's Website - Esse site de um colecionador particular de lanternas mágicas e aparatos óticos anteriores ao século XX é simplesmente fantástico, um dos melhores que eu já vi. Os itens dispostos em sua página são deslumbrantes, com imagens excelentes. Não deixem de ver as animações em flash que simulam com perfeição alguns dos principais efeitos e aparatos óticos pré-cinematográficos (caixas ópticas, zootropos, slides com movimentos etc). Imperdível!

sábado, 25 de setembro de 2010

Digitalização de acervos audiovisuais

O José Quental me passou o link enviado pela lista da AMIA com uma bibliografia na internet de sites, textos, teses e artigos sobre a digitalização de acervos, guias e manuais sobre o universo dos arquivos audiovisuais digitais, estudos de caso de restaurações digitais e muito mais.

Fica a dica para a pesquisa e estudo dessas questões: http://www.zauberklang.ch/links_afresa.html

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

2º Simpósio de Estudos de Cinema e Audiovisual

Segue a programação de mais um evento acadêmico que elegeu como tema a preservação audiovisual. É mais um importante sinal da necessária aproximação entre as universidades e os arquivos, aliás, algo que irei abordar em minha fala nesse mesmo simpósio.

Programação 2º Simpósio de Estudos de Cinema e Audiovisual


V ENCONTRO DE COMUNICAÇÃO CONTEMPORÂNEA
2o. SIMPÓSIO DE ESTUDOS DE CINEMA E AUDIOVISUAL
“MEMORIA E PRESERVAÇÃO DO AUDIOVISUAL BRASILEIRO HOJE”

MESTRADO EM COMUNICAÇÃO
UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
Campus Vila Olímpia
São Paulo
22 a 23 de setembro de 2010

PROGRAMAÇÃO

Quarta-feira, 22/09
19h00 às 21h00
Local: Auditório da Unidade 7, Campus Vila Olímpia
Rua Casa do Ator, 275

Abertura Solene - 19h

Palestra de Abertura - 19h30
"A preservação cinematográfica no Brasil"
Gustavo Dahl – Gerente do CTAV/SAV e Presidente do Conselho da Cinemateca Brasileira
Moderador: Prof. Dr. – André Gatti - Universidade Anhembi Morumbi

Coquetel - 21h00

Quinta-feira, 23/09
09h30 às 12h30
Local: Auditório (Unidade 7)

Mesa 1
“A preservação do Audiovisual hoje no Brasil”
Prof. Dr. Rafael de Luna - Universidade Federal Fluminense
Prof. Dr. Caio Cesaro - Programadora Brasil
Ana Cristina Frias - Pesquisadora do Memória Globo
Millard Schisler - Coordenador de Preservação da Cinemateca Brasileira
Maria Fernanda Coelho - Técnica de Conservação da Cinemateca Brasileira
Moderador: Prof. Dr. Luiz Vadico - Universidade Anhembi Morumbi

14h00 às 16h00
Local: Auditório (Unidade 7)

Mesa 2
“Cinema, Audiovisual e Memória”
Profa. Dra. Ana Isabel Soares – Universidade do Algarve
Prof. Dr. Fernão Ramos – Universidade Estadual de Campinas
Hilton Lacerda – Diretor e roteirista
Moderador: Profa. Dra. Sheila Schvarzman – Universidade Anhembi Morumbi

Coffee Break - 16h00 às 16h30

16h30 às 19h00
Auditório (Unidade 7)

Mesa 3
“Casos Exemplares de Resgate da Memória”
Antonio Leão da Silva Neto – Pesquisador de cinema brasileiro e membro da Associação Brasileira de Colecionadores de Filmes 16mm.
Albertina Lacerda Malta – Coordenadora do Centro de Documentação e de Estudos da Fundação Joaquim Nabuco
Maria Helena Sato – Diretora da Fundação Nestlé Brasil
Prof. Dr. Gelson Santana – Curador da Mostra Cinema de Bordas e professor do Mestrado em Comunicação da UAM
Moderadora: Profa. Dra. Laura Cánepa – Universidade Anhembi Morumbi

COMISSÃO ORGANIZADORA
Sheila Schvarzman (Docente)
Laura Cánepa (Docente)
Luis Vadico (Docente)
Alessandra Marotta (Assistente do Mestrado em Comunicação)

fonte: site da UAM

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

I Painel de Preservação Audiovisual: Formação e Experiências Internacionais

Divulgo um evento do qual serei o mediador que reune para um debate a "nova geração" de preservadores audiovisuais brasileiros relatando suas experiências profissionais.

Grupo em Preservação Audiovisual tem o prazer de convidar a todos para o I Painel de Preservação Audiovisual: Formação e Experiências Internacionais.
O Painel ocorrerá no auditório da Cinemateca do MAM, no dia 21 de setembro, de 9 às 13h. A programação segue no folder em anexo.

Sobre os participantes:

Rafael de Luna Freire

Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Imagem e Informação da Universidade Federal Fluminense e diretor da Associação Cultural Tela Brasilis. Foi professor da disciplina Preservação, Memória e Políticas de Acervos Audiovisuais do curso de cinema da UFF entre 2007 e 2009. Atualmente está licenciado de seu cargo na Cinemateca do MAM, onde trabalha desde 2002. É autor de pesquisas e estudos sobre a história do cinema brasileiro, entre eles o livro Navalha na tela: Plínio Marcos e o Cinema Brasileiro (2008), baseado em sua dissertação de mestrado.

Fabricio Felice

Graduado em Cinema pela Universidade Federal Fluminense, é profissional da área de preservação audiovisual desde 2002. Exerceu atividades na Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, no Arquivo Nacional e na Cinemateca Brasileira. Atualmente, é mestrando do Programa de Pós-Graduação em Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos.

Lila Foster

Mestre em Imagem e Som pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de São Carlos (PPGIS) e formada em Filosofia (2005) pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH - USP). Durante a graduação participou do Programa de Iniciação Científica (CNPq) com projeto intitulado O realismo cinematográfico de André Bazin. Atuou como preservacionista audiovisual na Cinemateca Brasileira e atualmente trabalha como crítica de cinema na revista eletrônica Cinética. O seu trabalho de pesquisa se concentra no acervo de filmes domésticos da Cinemateca Brasileira e na preservação e no levantamento da produção amadora no Brasil.

Tatiana Novás de Souza Carvalho

Formada em Jornalismo pela PUC em 1999. Cursou Cinema na UFF a partir de 2000 e lá entrou em contato com a preservação de filmes pela disciplina Preservação e Restauração de Filmes, ministrada por Hernani Heffner. Em 2002 começou a trabalhar no departamento de documentos audiovisuais do Arquivo Nacional e, em 2006, na Cinemateca do MAM por ocasião da reforma de sua reserva técnica. Formou-se pela L. Jeffrey Selznick School of Film Preservation, na George Eastman House (EUA), em 2008. Lá ganhou uma bolsa-prêmio para restaurar um curta-metragem no laboratório Haghefilm, em Amsterdã, e apresentá-lo no festival de cinema silencioso de Pordenone, na Itália. Atualmente trabalha na Reserva Técnica Fotográfica do Instituto Moreira Salles.

Débora Butruce

Com experiência na preservação de acervos audiovisuais, atua na área desde 2000. Desde 2007 é preservadora-chefe do acervo audiovisual do Centro Técnico Audiovisual – CTAv e atualmente também é coordenadora técnica do projeto Digitalização de Acervos e Banco de Conteúdos Audiovisuais Brasileiros, desenvolvido em parceria com a Cinemateca Brasileira. Atuou em diversas instituições na área, como a Cinemateca do MAM e o Arquivo Nacional, com passagens por instituições estrangeiras como a Filmoteca Española e a Escuela Internacional de Cine y TV de San Antoni o de los Baños (EICTV), em Cuba.

Cristiana Miranda

Fotógrafa e realizadora. Formada em Ciências Sociais pela PUC RJ, com mestrado em Comunicação pela UFRJ e especialização em Restauração Fotográfica na Especialidad en Conservación y Restauración de Fotografías, pelo Programa Internacional da Escuela Nacional de Conservación, Restauración y Museografía Manuel del Castillo Negrete, México.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

O cinema e a TV em seus 60 anos

Em 2010, ano que marca os 60 anos da TV no Brasil, com o início das transmissões da TV Tupi tendo ocorrido em 1950, dois filmes brasileiros chamam a atenção por sua ligação com a historia da televisão brasileira: Chico Xavier, o filme (dir. Daniel Filho) e Uma noite em 67 (dir. Renato Terra e Ricardo Calil). O primeiro é um filme de ficção, co-produzido pela Globo Filmes, e o outro é um documentário, co-produzido pela Record Entretenimento, os braços cinematográficos das duas mais poderosas emissoras brasileiras.
Apesar das diferenças, ambos sustentam-se fortemente em imagens de arquivo da televisão brasileira. Em Chico Xavier, a participação do médium no programa de entrevistas Pinga-fogo da TV Tupi, em 1971, justifica o flashback que narra sua vida, numa trama que acaba por se entrelaçar com a do cético diretor de TV Orlando, interpretado por Tony Ramos, e sua esposa Glória (Christiane Torloni). Chama atenção imediatamente o cuidado e o rigor inéditos na reconstituição por um filme brasileiro dos estúdios de TV nos anos 1970, tanto nos equipamentos, quanto nos procedimentos de edição comandados ao vivo pelo diretor, numa das características (a simultaneidade da transmissão imediata) que talvez mais diferenciem o trabalho artístico na TV e no cinema.
Nesse sentido, o filme de Daniel Filho está próximo de alguns filmes hollywoodianos recentes como Frost/Nixon (dir. Ron Howard, 2008) e Boa noite e boa sorte (dir. George Clooney, 2005) que, reconstituindo episódios e programas marcantes da TV americana (e de seus bastidores), nos provam como a TV foi o meio privilegiado de registro da história recente, assumindo definitivamente o papel de "testemunha ocular da história" que fora do cinema até a Segunda Guerra Mundial.
No caso desses programas de TV, sua importância esteve na transmissão para milhões de casas, tendo batido recordes de audiência, revelando ao grande público, respectivamente, a perseguição política do McCarthismo, a verdade sobre o Watergate admitida pelo próprio Nixon e, no caso brasileiro, o dom e o caráter autênticos de Chico Xavier. Curiosamente, o personagem de Tony Ramos assume o papel de criador e espectador dessas imagens, dirigindo o programa e sendo, como sua mulher (na platéia do estúdio), uma das pessoas afetadas pelo programa, como um "mero" espector. Não à toa, em determinado momento, tocado pelo emoção, ele tem que se ausentar de suas função de diretor.
Nos três casos também, os filmes se sustentam em grande parte pela existência dessas imagens de arquivo que as produções tentam emular em suas reconstituições, sobretudo através de excelentes trabalhos dos atores que se esforçam para "reviver", inclusive fisicamente, as personalidades que interpretam. Se em Frost/Nixon, o espectador tem acesso às imagens originais da entrevista nos extras do DVD, esse "brinde" é dado aos espectadores de Chico Xavier durante os créditos, numa forma de demonstrar a capacidade da equipe na fidelidade à realidade - pela reprodução exata dos diálogos, enquadramentos e aparência dos personagens -, numa estratégia que já tinha sido posta em prática (quem se lembra?) em Cidade de Deus, por exemplo, que também se baseava na interação entre personagens assumidamente reais (Zé Galinha) e outros supostamente ficctícios.
A dependência das imagens e sons de arquivo é ainda maior no caso de Uma noite em 67, que além da transmissão do 3º Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, é composto apenas de entrevistas recentes com os mesmos personagens (Chico, Gil, Caetano, Edu Lobo etc). Nesse caso, não se trata somente de reconstituir ou relatar um fato importante da história do Brasil - e da TV brasileira -, mas se pretende principalmente "reviver" aquele episódio, assim como ocorre no filme sobre Chico Xavier, em que há sempre, inclusive, uma platéia diegética, espectadores dentro do próprio filme (nas cenas no estúdio de TV, no tribunal, nas sessões de psicografia etc). No documentário se procura colocar o espectador do filme de 2010 no lugar do espectador do programa de TV de 1967, apresentando as músicas na ordem de classificação, contextualizando quem era quem dentre os artistas, provocando "suspense" sobre o vencedor, e ao mesmo tempo destacando a extraordinária qualidade artística dos finalistas. Afinal de contas, o trunfo do filme é a inevitável sensação de que uma música é mais fantástica do que a outra, no que talvez não o afaste tanto do bem-sucedido comercialmente filão de documentários musicais, especialmente as cinebiografias de Simonal, Vinícius, Cartola etc.
Por outro lado, se os diretores tiveram o cuidado de dar ao seu filme um interesse maior do que apenas "celebrar" o talento musical da época, investigando de maneira muito perspicaz o próprio significado do tropicalismo e da efervescência artística que se delineava claramente no Festival de 1967, a dependência das imagens da TV representam seu grande trunfo ou fraqueza (para os que acharam que os diretores fizeram pouco além de "usar" o arquivo da TV), mas sem dúvida seu maior diferencial.
Nas muitas (e às vezes hilariantes) entrevistas de bastidores de Uma noite em 67 - que cantores como Chico Buarque pensavam ser para o rádio -, o fato da TV permitir àquela altura um registro mais prolongado, mesmo que com câmera fixa, vendo tudo do alto (como uma câmera de vigilância, um dos principais usos possibilitados pelo vídeo), permitia a captação da "atmosfera", de todo um "clima" reinante naquele festival. Embora essas palavras seja imprecisas, no final de contas era isso que Tropicalismo, Cinema marginal, Teatro de Oficina etc representavam, menos um movimento e mais um momento.
É curioso que em uma certa sequência de entrevista nos bastidores percebe-se ao fundo uma pequena equipe filmado os músicos com uma câmera cinematográfica. O operador se move permanentemente, circulando com a câmera por entre as pessoas em busca de um plano significativo, que pudesse condensar ou significar algo. É interessante como , em comparação, a câmera da TV Record em 1967, estática e monótona, com planos longos, observadores e muitos tempos-mortos, seja talvez capaz de revelar ainda mais, ou, pelo menos, outra coisa.
Mas não se trata só disso. Em contraponto às imagens das entrevistas nos bastidores, a transmissão dos shows mostra toda a perícia e virtuosimo das imagens televisivas, com uma fantástica edição dos planos da platéia com as diferentes câmeras que registravam o palco. Os shows de Uma noite em 67 são ilustrações perfeitas do talento que o diretor de TV de Chico Xavier supostamente possui, regendo, como um maestro, as imagens do show que se desenrola naquele exato momento.
Esses dois filmes mostram como o cinema brasileiro tem um enorme campo a ser explorado no acervo de uma TV já sextagenária. A Record, por exemplo, já anuncia sua próxima co-produção para cinema: o documentário Tropicália, de Marcelo Machado. Entretanto, nem tudo são flores, e os realizadores de Uma noite em 67 e Chico Xavier, o filme podem se considerar sortudos por terem encontrado os materiais que utilizaram em seus filmes. Dos 60 anos de TV brasileira, muitíssimo pouco sobrou, por exemplo, de seus vinte primeiros anos, quando a TV era ao vivo (podendo ser registrada em película apenas, através do processo de quinescopagem - filmagem do monitor) ou gravada em caríssimas fitas de 1 e 2 polegadas que era sistematicamente reutilizadas.
Sem dúvidas essa perda é lamentada, pois o que foi preservado tem possilitado excelentes frutos a serem explorados. Co-produtoras desses dois filmes, a Record e a Globo cada vez mais utilizam seus acervos em novos produtos, como programas, filmes e seriados baseados exclusivamente em suas imagens de arquivo, sobretudo para a TV por assinatura, com sua demanda incessante por conteúdo para preencher suas grades de programação.
As telenovelas que talvez sejam o mais célebre produto da TV Brasileira são um ótimo exemplo. Das primeiras novelas diárias dos anos 1960, quase nada sobreviveu, enquanto dos primeiros grandes sucessos, como Irmãos Coragem (1970), chegaram até os dias de hoje apenas compactos com poucos episódios, o único material que tem servido aos pesquisadores do tema (cf. livro de Esther Hamburger, "Brasil antenado", 2005).
Segundo o ensaio de Roberto Moreira no livro organizado por Eugenio Bucci, "TV aos 50", a primeira novela a ter todos os seus capítulos salvos (quer dizer, sem as fita serem apagadas e reutilizadas posteriormente) foi a já colorida Gabriela (1975), por ter sido uma grande produção de prestígio. Se na época isso poderia parecer exagero (para que guardar todos os episódios de uma novela?), quando logo depois Escrava Isaura (1976) se revelou o melhor produto de exportação da história de todo o audiovisual nacional, a decisão mostrou-se acertada. E hoje, em 2010, quando a Globo pela primeira vez comercializa todos os episódios de uma novela em DVD, com os 16 discos recém-lançados de Roque Santeiro (1985-6), mais uma vez quem apostou na preservação saiu ganhando. E o cinema está abrindo cada vez mais seus olhos para esse acervo.

curso Filme Noir

Divulgação pessoal: No dia 3 de setembro começou a mostra sobre o Cinema Noir, no Instituto Moreira Salles, no Rio de Janeiro. No dia 9, quinta-feira, será a primeira de uma série de quatro palestras - um mini-curso, na verdade - sobre o gênero que ministrarei durante o evento.
Vejam aqui o folder da programação, com um texto que escrevi especialmente para a mostra.

O Instituto Moreira Salles e o Cinema do Centro Cultural do Rio de Janeiro promovem, de 9 a 21 de setembro, um curso sobre o cinema noir. São quatro aulas ministradas por Rafael de Luna Freire: Precursores do noir, O filme noir por excelência, Desdobramentos do noir, A herança do filme noir são os temas a serem desenvolvidos nos encontros. O curso custa R$ 70,00 (inteira) e R$ 35,00 (meia). As inscrições devem ser feitas no IMS-RJ (rua Marquês de São Vicente, 476, Gávea, tel.: 21 3284-7400), de terça a domingo, das 13h às 19h.

domingo, 22 de agosto de 2010

Sobre os filmes de Fenelon

Estive no Instituto Moreira Salles, no dia 18 de julho, para assistir aos filmes dirigidos por Moacyr Fenelon recém-restaurados pelo "Instituto para a Preservação da Memória do Cinema Brasileiro" (leia-se Dona Alice Gonzaga e Hernani Heffner).
Anunciado aqui no blog, foi um programa imperdível para os (poucos) interessados no passado do cinema brasileiro.
O primeiro filme do dia foi Poeira de Estrelas (1948), impressionante filme musical com surpreendente conotação homoerótica no tratamento da relação entre as cantoras interpretadas por Lourdinha Bittencourt e Emilinha Borba. Longe da conotação pejorativa associada ao termo "chanchada", o filme mostra o amadurecimento do filme musical brasileiro, com a narrativa bem conduzida e os números musicais encaixados primorosamente na trama, bastando compará-lo, por exemplo, com Caídos do Céu (dir. Luiz de Barros, 1946) ou Berlim na batucada (dir. Luiz de Barros, 1944). Aliás, como ressaltou Hernani Heffner, em sua palestra no mesmo dia, os números musicais desse filme foram dirigidos por Cajado Filho, personagem que precisa ter sua carreira no cinema brasileiro reavalida pelos historiadores. Apesar de sua importância já ter sido reconhecida por Carlos Manga, entre outros, sua trajetória no cinema brasileira ainda necessita de revisão pelos pesquisadores.
Ainda mais supreendente é Obrigado doutor (1948), que ouso considerar o filme brasileiro com mais elementos do cinema noir que conheço. Apesar da trama poder ser aproximada de Ganga Bruta (dir. Humberto Mauro, 1933), com o marido que mata a mulher infiel e foge da cidade para esquecer o passado no campo, ou, principalmente, de O Ébrio (1946), com o personagem médico cuja vida e carreira são arruinadas por "mulheres fatais", o filme traz elementos como o flashback, o personagem cujo passado na metróple o persegue (ver Fuga do passado/ Out of the Past, de Jacques Touneur, 1947, por exemplo), sem falar na sequencia inicial cujas escadas parecem ter sido usadas seguindo as lições hitchcokianas. Apesar de muito desigual - Fenelon revela grande inépcia quando filma cenas simples, de diálogos, desrespeitando o "eixo" - a história do filme é muito interessante, com muitas possibilidades (muitas delas desperdiçadas, é verdade).
Por último, foi exibido o filme policial Dominó Negro, o mais chamativo dos três. Baseado numa novela do rádio-autor Hélio Soveral (que já havia trabalhado antes como argumentista em comédias da Atlântida), o filme traz uma elaborada história de crime passado em pleno carnaval. Apesar da boa trama de mistério, o filme revela a proximidade do cinema brasileiro à estética radiofônica marcante no período.
No caso de Dominó Negro, como no de Poeira de Estrelas, o que chama especial atenção nessas cópias restauradas é o resgate de sua fotografia original. Eu nunca assistira antes filmes brasileiros da década de 1940 onde se pudesse ver, com clareza, o preto. Geralmente temos acesso a cópias velhas, em 16 mm, sem o menor contraste, com riscos e outros danos já impressos fotograficamente nos materiais originais. Nesse caso, porém, temos o oportunidade de assistirmos cópias de segunda geração apenas. Ou seja, do negativo original em nitrato para essas cópias restauradas, só havia um material intermediário entre elas. O acesso a materiais privilegiados e o excelente trabalho de restauração permitem, através do projeto Moacyr Fenelon, que o público finalmente tenha acesso a obras que podem revelar o que era a fotografia do cinema brasileiro desse período.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Programa Moacyr Fenelon

Uma mostra no Instituto Moreira Salles irá marcar o encerramento do projeto de restauração dos filmes de Moacyr Fenelon pelo Instituto para Preservação da Memória do Cinema Brasileiro, liderado por Alice Gonzaga, da Cinédia, com coordenação técnica de Hernani Heffner.
Produzidos por Fenelon, um dos criadores da Atlântida, mas que abandonou os estúdios após Severiano Ribeiro assumir seu controle acionário, trata-se de um conjunto de cinco longa-metragens raros e que agora finalmente vão poder voltar a a ser vistos nas telas.
Alguns desses filmes foram realizados em co-produção com a Cinédia - uma das poucas empresas que tem investido na preservação de suas obras cinematográficas - e representam um panorama único do cinema brasileiro do final da década de 1940. É importante ressaltar que da produção da Atlântida, criada em 1941 e que lançou seu primeiro longa-metragem (Moleque Tião) em 1943, muito pouco sobreviveu dessa primeira fase. Desse modo, os filmes produzidos por Fenelon representam documentos únicos desse momento de transição do cinema brasileiro para a década de 1950, marcada pela consolidação das chanchadas dirigidas por José Carlos Burle, Watson Macedo e Carlos Manga e pelo surgimento do chamado "cinema independente" com Nelson Pereira dos Santos, Alex Viany, Roberto Santos, entre outros.
Além disso, esses filmes revelam que enquanto a Vera Cruz estava sendo criada em São Paulo, no Rio de Janeiro Fenelon investia numa produção diversificada, que incluia filmes carnavalescos, comédias, policiais e melodramas.
Enfim, o programa é imperdível para todos os amantes do cinema brasileiro.


PROGRAMA MOACYR FENELON

Nos dias 18 e 19 de agosto, o IMS-RJ realiza, em parceria com a Cinédia e a Associação Brasileira de Cineastas, o programa Moacyr Fenelon, que resgata a obra do diretor, produtor, técnico de som e roteirista. A programação inclui sessões dos cinco filmes do diretor que foram restaurados pelo Instituto para Preservação da Memória do Cinema Brasileiro (IPMCB) e dois debates.

Os cinco filmes incluídos no programa foram realizados na fase final da carreira do cineasta, de 1948 a 1951. Obrigado, doutor, Poeira de estrelas e O dominó negro têm direção assinada por Fenelon; e dois filmes produzidos por ele: Estou aí?, de Cajado Filho, e A inconveniência de ser esposa, de Samuel Markenzon.

Os títulos restaurados são documentos históricos da era de ouro do filme popular brasileiro e registram as mudanças sofridas na estrutura da sociedade brasileira após a Segunda Guerra Mundial.

Na quarta, dia 18, logo após a exibição de O dominó negro, às 18h30, Hernani Heffner comanda o primeiro debate com o público sobre o tema O cinema de Fenelon. Na quinta, fechando o programa, Luiz Alberto Rocha Melo participa de debate sobre o tema Lourdinha e Emilinha: Poeira de estrelas logo após a sessão do longa A inconveniência de ser esposa, que terá início às 18h.

PROGRAMAÇÃO

quarta-feira, dia 18

14h: Poeira de estrelas, de Moacyr Fenelon (Brasil, 1948. 80’)

16h: Obrigado, doutor, de Moacyr Fenelon (Brasil, 1948. 85’)

18h30: O dominó negro, de Moacyr Fenelon (Brasil, 1950. 85’)

20h: O cinema de Fenelon

Debate com Hernani Heffner

quinta-feira, dia 19

14h: Obrigado doutor, de Moacyr Fenelon (Brasil, 1948. 85’)

16h: Estou aí?, de Cajado Filho (Brasil, 1949. 105’)

18h: A inconveniência de ser esposa, de Samuel Markenzon (Brasil, 1951. 71’)

20h: O cinema na década de 1950

Debate com Luiz Alberto Rocha Melo. Tema: Lourdinha e Emilinha: Poeira de estrelas


sábado, 17 de julho de 2010

Congresso Nacional de Arquivologia

Do Informativo oficial da Associação dos Arquivistas do Estado do Rio e Janeiro (divulgação pessoal)

Inscrições para mini-cursos serão realizadas no CNA


As inscrições para os dois mini-cursos do IV Congresso Nacional de Arquivologia (IV CNA) serão realizadas no próprio local do evento, no dia 19 de outubro, no Slaviero Slim Alive Vitória Hotel.

Serão realizados os mini-cursos: “O que é cinema? Conhecer para preservar: subsidios para identificação e classificação de obras audiovisuais em suporte cinematográficos”, com o professor Rafael de Luna; “Paleografia e Documentos Notariais”, ministrado pela professora Iracema Marinho (UNB). O número de vagas é limitado e será por ordem de inscrição. Os valores serão definidos, em breve.

O CNA 2010 tem como tema: “A gestão de documentos arquivísticos e o impacto das novas tecnologias de informação e comunicação”. O evento é voltado para os profissionais da área de gestão da informação: arquivistas, administradores, bibliotecários, consultores, profissionais de tecnologia da informação e de qualidade.
O IV CNA já tem presença confirmada de importantes professores e autores de Arquivologia do Brasil e do exterior.

O evento será realizado no Slaviero Slim Alice Vitória Hotel, que se localiza na Rua Coronel Vicente Peixoto, Nº 95, Centro - Vitória – ES.

As inscrições podem ser feitas através do site do evento até o dia 13 de outubro. Após essa data poderão ser feitas exclusivamente na secretaria do Congresso.

As informações completas sobre o IV Congresso Nacional de Arquivologia estão disponíveis no site do evento

terça-feira, 13 de julho de 2010

Algumas considerações sobre o cinema brasileiro da década de 1930

Este texto foi originalmente publicado no catálogo da 5. CineOP, realizada em junho de 2010, em Ouro Preto, que sediou o 5. Encontro Nacional de Arquivos e Acervos Audiovisuais Brasileiros.

Em relação ao cinema brasileiro, a década de 1930 representa um recorte cuja justificativa possivelmente pode ir além da mera convenção cronológica. De fato, trata-se de um período que pode ser apropriadamente demarcado por momentos-chave ocorridos tanto no final da década de 1920, quanto no início dos anos 1940.

Por um lado, temos em 15 de março de 1930 a fundação da Cinédia, através dos investimentos pessoais de Adhemar Gonzaga. Com o relativo êxito de seu Barro Humano (1929) – realizado com parcos recursos por uma equipe de jovens amadores que se reunia aos fins de semana para as filmagens –, Gonzaga teve argumentos para convencer seu pai a lhe prover o que representou um montante até então inédito no cinema brasileiro, permitindo a construção física de estúdios, a importação de equipamentos modernos e a constituição de um corpo fixo de profissionais. A Cinédia marca, portanto, o início da “era dos estúdios” no cinema brasileiro, passando a ter ainda a companhia, ao longo dos anos 1930, da Brasil Vita Filme, da atriz Carmem Santos, e da Sonofilms, do empresário Alberto Byington Júnior.

Entretanto, o final dessa década encontraria as três empresas em crise. As instalações da Sonofilms foram destruídas por um incêndio em 1940, durante a montagem de Asas do Brasil, de Raul Roulien, cujos negativos e cópias foram queimados; a Brasil Vita Filme permanecia desde 1938 mergulhada na longa e atribulada produção de Inconfidência Mineira, que se arrastaria até 1948; a Cinédia, diante da crise financeira, via-se obrigada a interromper sua produções para alugar seus estúdios tanto para filmes brasileiros independentes – como Direito de pecar (dir. Leo Marten, 1940), lançando o locutor-galã César Ladeira no cinema – quanto para bem-vindas produções estrangeiras – É tudo verdade (It's All True, dir. Orson Welles), da RKO. Foi justamente em 1941 que seria fundada a Atlântida Cinematográfica, que mesmo só lançando seu primeiro longa-metragem dois anos depois – Moleque Tião (dir. José Carlos Burle, 1943) –, suplantaria a Cinédia em popularidade e volume de produção já em meados dos anos 1940.

O início da década de 1930 também é lembrado pelo advento do som, mudança tecnológica responsável por uma ruptura que, se por um lado determinou o fim dos focos de produção de filmes silenciosos em diversos pontos do país (os chamados ciclos regionais), por outro alimentou a vã esperança de que o cinema brasileiro finalmente se afirmaria em seu próprio mercado por conta da língua brasileira. A passagem do filme silencioso para os chamados talkies se deu de forma lenta e gradual no mercado brasileiro e apesar da comentada exibição do “vitaphonizado” Alta Traição (The Patriot, dir. Ernst Lubitsch) na inauguração do Cine Paramount, em São Paulo, já em abril de 1929, a conversão do circuito exibidor para o cinema sonoro se daria de forma mais acentuada somente entre 1932 e 1934, com a consolidação da legendagem como procedimento padrão adotado no país.(1) Data daí o último suspiro das produções silenciosas brasileiras – um “colapso quase tão radical quanto o de 1911 ou de 1921”, nas palavras de Paulo Emílio Sales Gomes (2) – e a diminuição do número de filmes brasileiros lançados anualmente, que passariam a se restringir quase que exclusivamente à produção dos estúdios cariocas até o final dessa década.

De forma semelhante, a passagem para a década de 1940 é também, ao mesmo tempo, um momento de crise e de esperança para o cinema brasileiro. Com o início da guerra na Europa (1939) e o posterior envolvimento dos Estados Unidos (1941) e do Brasil (1942) no conflito mundial, o mercado cinematográfico brasileiro sofreria consequências as mais diversas. Por um lado, gradativamente sumiriam das telas brasileiras os filmes europeus, enquanto a produção americana que chegava às salas do nosso país seria francamente criticadas por sua baixa qualidade em decorrência do esforço de guerra. Considerava-se estar vivendo, portanto, uma grande chance para os produtores brasileiros aproveitarem tanto a ameaçada escassez de cópias de filmes estrangeiros para atender ao circuito exibidor, quanto a momentânea rejeição do público aos lançamentos correntes, finalmente sendo possível fazer deslanchar a almejada indústria cinematográfica brasileira, de forma semelhante ao que ocorria então, por exemplo, com a siderurgia nacional. Porém, a guerra também representou escassez de filme virgem, insumos laboratoriais e equipamentos cinematográficos no mercado brasileiro, e os problemas estruturais que afetavam o cinema nacional não seriam superados tão facilimente apesar do otimismo.

Quando se procura pensar na memória do cinema brasileiro da década de 1930, devemos lembrar de alguns fatores. Em primeiro lugar, esse período ainda se localiza durante era do suporte de nitrato de celulose (conhecido também como “celulóide”), quando as películas cinematográficas eram marcadas por sua alta inflamabilidade – sujeitas até à combustão espontânea – em decorrência da instabilidade química dos materiais e de seu armazenamento em locais e condições pouco aconselháveis. Desse modo, grande parte dos filmes produzidos nesse período infelizmente se perdeu em graves e, infelizmente, não raros incêndios, geralmente ocorridos durante o verão em depósitos fechados ou mal-ventilados. Praticamente toda a produção da Sonofilms até 1940, incluindo os grandes sucessos das comédias musicais Banana da Terra (dir. Ruy Costa, 1939) (3) e Laranja da China (dir. Ruy Costa, 1940), foram destruídos no já mencionado incêndio, ocorrido dia 21 de novembro de 1940.

A Brasil Vita Filmes já sofrera um incêndio em meados de 1944, destruindo um pavilhão dos estúdios e dando grandes prejuízos financeiros. Como escreveu Pery Ribas na ocasião: “O fogo e o celulóide nunca foram bons amigos, principalmente entre nós. A história do cinema brasileiro está cheia de incêndios”.(4) E essa infeliz história continuou, pois no dia 8 de janeiro de 1957 um “violento incêndio” atingiu a Brasil Vita Filme, conforme noticiou O Globo no dia seguinte: “Os filmes ali guardados, entre os quais Inconfidência [sic], Favela dos meus amores e Rei do samba, foram devorados pelas chamas”.(5)

Coincidentemente, poucos dias depois, naquele mesmo verão, um incêndio irrompeu na jovem Cinemateca Brasileira, em São Paulo, destruíndo negativos e cópias que tinham tido a “sorte” de sobreviver aos sinistros anteriores e haviam sido reunidas por Caio Scheiby, Paulo Emílio e outros, ou ainda doadas por figuras como o próprio Adhemar Gonzaga. O dia 28 de janeiro de 1957 ficou marcado na história da instituição graças ao fogo que consumiu cerca de um terço dos filmes do arquivo e toda sua valiosa documentação, inclusive o inventário do acervo. Por isso, como escreveu Carlos Roberto de Souza, “nós podemos somente inferir o que foi destruído a partir das informações recolhidas da imprensa e dos relatos das testemunhas”. O certo, porém, é que a perda foi enorme e traumática.(6)

A Cinédia foi talvez um dos únicos grandes estúdios brasileiros a não sofrer com o fogo em suas próprias instalações (embora a água tenha sido o vilão na inundação do arquivo em Jacarepaguá, em 1996) e, por isso, grande parte do que ainda existe do cinema brasileiro ficcional da década de 1930 seja representado pelos filmes dos estúdios de Adhemar Gonzaga, como Lábios sem beijos (dir. Humberto Mauro, 1930), Ganga Bruta (dir. Humberto Mauro, 1933), Alô! Alô! Carnaval (dir. Adhemar Gonzaga e Wallace Downey, 1936), Bonequinha de Seda (dir. Oduvaldo Vianna, 1936), Samba da Vida (dir. Luiz de Barros, 1937), Maridinho de luxo (dir. Luiz de Barros, 1938) ou Alma e corpo de uma raça (dir. Milton Rodrigues, 1938), entre outros. Mas mesmo a Cinédia também sofreu perdas inestimáveis, como as de Alô, Alô, Brasil! (dir. Wallace Downey, 1935) e Estudantes (dir. Wallace Downey, 1935), os dois primeiros filmes do estúdio com a estrela Carmem Miranda cujos materiais se deterioraram ainda na década de 1940.

Outras observações também podem ser feitas sobre a preservação do cinema brasileiro dos anos 1930, como o fato das primeiras experiências com o cinema sonoro terem sido realizadas através do sistema de acompanhamento por discos, tanto o improvisado Sincrocinex de Lulu de Barros no pioneiro Acabaram-se os otários (1929), como o nacional “Munizógrafo” criado por Fausto Muniz para o film-opereta hoje desaparecido Cabocla Bonita (dir. Leon Marten, 1935), além obviamento do sistema Vitaphone, da Warner, usado pela primeira vez no Brasil em Coisas Nossas (dir. Wallace Downey, 1930), primeira produção de Alberto Byington.(7) A tecnologia do chamado sound-on-disk – que viria a ser definitivamente suplantada nos primeiros anos da década de 1930 pelo sound-on-film, o som ótico gravado fotograficamente na película – implicava na peculiaridade da obra estar registrada em dois suportes diferentes: as imagens na película e o som nos discos. Desse modo, alguns filmes desse período sobreviveram sem os registros sonoros até o resgate dos discos originais, como no caso de Mulher (dir. Octávio Gabus Mendes, 1931), que teve sua trilha sonora restaurada e foi relançado pela Cinédia em 2004. Já Coisas Nossas representa um caso singular em que apenas os discos chegaram aos nossos dias, tendo sido encontrados pelo pesquisador gaúcho Jesus Antonio Pfeil. Hoje esse pioneiro musical brasileiro só pode ser “ouvido”, mas não “visto”.

Ainda sobre a preservação dos filmes da década de 1930, devemos mencionar que colaborava para o fato de muitas obras se perderem o fato dos filmes não serem distribuidos com muitas cópias, que circulavam às vezes exaustivamente até se estragarem pelo uso, não sobrando muitos outros materiais no caso da perda dos negativos. Um lançamento era feito nos cinemas lançadores das capitais, com ingressos mais caros, prosseguindo somente depois nas salas do subúrbio e do interior do país ao longo de meses a fio. Segundo dados do anuário The 1935-1937 Motion Picture Almanac, filmes como Alô, Alô, Brasil!, Estudantes, Noites Cariocas, Favela dos meus amores e Alô! Alô! Carnaval! foram lançados com somente seis cópias pela Distribuidora de Filmes Brasileiros (D.F.B), o que já representava um número elevado para o mercado. Com os cine-jornais não era diferente, sendo cada edição lançada com apenas três cópias cada um.(8) Apenas sucessos extraordinários resultavam na confecção de um número maior de cópias e Alice Gonzaga citou matéria de Cine Magazine, em 1938, que descrevia a feitura de dez cópias do cinejornal da Cinédia com imagens do jogo entre Brasil e Polônia pela Copa do Mundo de Futebol, reveladas e distribuídas com grande rapidez para todo o país.(9)

Devemos ressaltar ainda que a década em questão também foi marcada pelo Decreto nº 21.240, de 1932, que tornou obrigatória a exibição de um complemento nacional junto de cada longa-metragem estrangeiro, no que se constituiu na primeira ação do Estado em relação à reserva de mercado para a produção cinematográfica brasileira. Seria a produção dos cinejornais – de certo modo tornando “oficial” a antiga prática informal dos cavadores – que viria a sustentar grande parte dos profissionais do cinema brasileiro ao longo da década em diversas partes do país, e em especial em São Paulo. A Cinédia foi uma das maiores produtoras dos também chamados “complementos” nos anos 1930 através do Cinédia atualidades (1933-4), Cinédia-Jornal (1934-42) e Cinédia-revista (1937-1944). Mas estes também não escaparam dos incêndios, como o da Cinemateca Brasileira, além dos dois que acometeram o laboratório do veterano cinegrafista carioca Alberto Botelho, ou o que atingiu os depósitos localizados na casa do pioneiro do cinema paulistano Gilberto Rossi, responsável pelo Rossi Actualidades. No verão de 1965 foi a vez dos depósitos da Leopoldis, em Porto Alegre, serem destruídos pelo fogo, perdendo-se parte da produção anterior a esta data, incluindo muitos números de seu Atualidades Gaúchas, lançado em 1932.(10) Os orgãos públicos não escaparam da mesma sina, como pode ser constatado pelo incêndio ocorrido em 1952 que destruiu os filmes realizados e os reunidos por Pedro Lima desde os anos 1930 no Serviço de Informação Agrícola (SIA) do Ministério da Agricultura.(11) Pelo seu maior volume e pela menor atenção que lhe foi geralmente dispensada – além do fato de cenas dos cine-jornais terem sido sistematicamente reaproveitadas em edições seguintes por seus produtores –, a memória do cinema brasileiro de não-ficção do período em questão que sobreviveu até nossos dias é certamente muito mais desfalcada do que sua contrapartida ficcional.

Apesar de todos esses problemas, parece curioso perceber que talvez conheçamos melhor o cinema brasileiro da década de 1930 do que o da década seguinte. Os anos 1940 foram ainda marcados não somente pelos incêndios, mas sobretudo pelo descaso e despreocupação para com a memória do cinema brasileiro, um quadro que apenas se reverteria de forma mais acentuada nos anos 1950. Mas essa já é outra história.

Rafael de Luna Freire é professor e pesquisador.

Notas
1 FREIRE, Rafael de Luna. A passagem para o cinema sonoro no Brasil. Pesquisa inédita.
2 GOMES, Paulo Emílio Sales. Panorama do cinema brasileiro: 1896/1966. In: Cinema: trajetória no subdesenvolvimento. São Paulo: Paz e Terra, 2001, p. 52.
3 Deste filme, existe ainda o famoso número musical de Carmem Miranda “O que que a baiana tem?”, reaproveitado em Laranja da China, e utilizado no curta-metragem Carmem Miranda (dir. Jorge Ileli, 1969).
4 A Cena Muda, v. 24, n. 27, 4 jul. 1944, p. 3.
5 O Globo, 9 jan. 1957.
6 SOUZA, Carlos Roberto de. Inconfidência Archiveira: Nitrate fires in Brazilian Film History. In: SMITHER, Roger; SUROWIEC, Catherine (ed.). This film is dangerous. Bruxelas: FIAF, 2002, p. 465. (Tradução minha)
7 cf. COSTA, Fernando Morais. O som no cinema brasileiro. Rio de Janeiro: 7letras, 2008, p.75-126.
8 WEISSMAN, A. The Year in Brazil. In: The 1936-1937 Motion Picture Almanac, p. 1107-8.
9 GONZAGA, Alice. 50 anos de Cinédia. Rio de Janeiro: Record, 1987, p. 163.
10 PÓVOAS, Glênio. Leopoldis: a história do cinema gaúcho é contínua. In: MACHADO JR., Rubens et al. Estudos de cinema Socine. São Paulo: Annablume, Socine, 2007.
11 cf. HEFFNER, Hernani. Preservação. Contracampo, n. 34, 2001. Disponível em: ; e SOUZA, Carlos Roberto de. A Cinemateca Brasileira e a preservação de filmes no Brasil. São Paulo, 2009. 318f. Tese (Doutorado em Ciências da Comunicação) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo.

domingo, 4 de julho de 2010

Um Eldorado no Ceará

Texto e fotos por Rafael de Luna

Em maio de 2010, estive em Juazeiro do Norte, interior do Ceará, para ministrar um curso sobre a história tecnológica do cinema no Centro Cultural do Banco do Nordeste. Em minha primeira noite, fui conhecer os únicos cinemas da cidade, as duas salas do Cine Cariri, localizadas obviamente no único shopping center da cidade, o Cariri Shopping, onde estavam sendo exibidos Chico Xavier – o filme (dir. Daniel Filho, 2010) e O Homem de Ferro 2 (dir. Jon Favreau, 2010). Como já tinha visto o primeiro, fui assistir ao blockbuster de Hollywood. A projeção em 35mm era bastante precária (parte da tela ficava fora de foco), mas, em compensação, o preço do ingresso era atraente: promoção de quarta-feira com ingresso à R$ 6,00 com direito a um saco de pipoca grátis (a meia-entrada saía por R$ 3,00 e também com pipoca). No fim de semana, o ingresso inteiro não era muito mais caro, saindo por R$ 8,00.
No dia seguinte, sabendo do meu interesse por cinema, alguém me perguntou se eu não queria conhecer o Seu Expedito, dono de sala de cinema na cidade. Perguntei se ele era o dono das salas do Shopping, mas me informaram que sua sala funcionava como cinema pornô. Fui procurá-lo no Plaza Hotel, onde ele morava e em cuja recepção a foto ao lado foi feita (junto à onipresente estátua de Padre Cícero e algumas cadeiras retiradas de seu cinema). Com muita paciência, ele gentilmente me recebeu para uma boa conversa. Logo fiquei sabendo que “Seu” Expedito Costa, nascido em Pocinhos, em 1944, mas criado em Campina Grande, foi um dos maiores exibidores e distribuidores do interior do Ceará e Paraíba.
Sua ligação com cinema começou ainda criança, como espectador frequente do Cinema Babilônia, em Campina Grande, aberto em 1939 (e fechado em 2000). Por estar sempre na “sala escura”, aos treze anos foi convidado pela esposa do dono do cinema para vender confetes na sala, o que lhe permitiria assistir aos filmes de graça. Foi confeiteiro do Cinema Babilônia, antes de mudar-se para João Pessoa para dar prosseguimento aos estudos. Além de cursar o ginásio na capital, passou a frequentar o Cinema Brasil, onde tornou-se ajudante de projecionista.
De volta a Campina Grande, retornou também ao Cinema Babilônia, mas agora como “operador cinematográfico”, ganhando um “salário razoável”, em suas palavras. Em 1963, junto com um sócio, abriu em Sumé, PB, sua primeira sala, o Cinema Municipal, dotada de um projetor 16mm RCA. Ao longo das duas décadas seguinte, expandiu seus negócios adquirindo novas salas, maiores e melhor aparelhadas (mas muitas delas com projeção 16mm), vindo a constituir inclusive a Distribuidora Expedito da Costa. No auge dos negócios, na segunda metade dos anos 1970, chegou a ter cerca de 17 salas no interior do Ceará e da Paraíba, em cidades importantes como Patos, Campina Grande e Juazeiro do Norte.
Em sua opinião, as ditas chanchadas representaram a época de ouro do cinema nacional e chegou a exibir filmes da Atlântida em Juazeiro do Norte, mas somente em reprise, já que eles eram lançados com exclusividade no Cinema Eldorado, do circuito Severiano Ribeiro. Porém, devido ao grande número de lançamentos da U.C.B. (distribuidora de Severiano Ribeiro), eles ficavam apenas dois ou três dias em cartaz, tendo bastante público ainda para assistí-las quando passavam para outra sala.
Viajava com frequencia à Boca do Lixo, em São Paulo, para comprar direitos de filmes para exibição no interior do Nordeste, ou os alugava nas filiais das distribuidoras de Recife e Fortaleza. Para os filmes estrangeiros, a porcentagem do distribuidor era de 60% da bilheteria na primeira semana e 50% na segunda, mas havendo ainda a cota mínima que deveria ser atingida – nesse caso, se o filme fracassava de público, a porcentagem do distribuidor podia abocanhar grande parte da bilheteria, não rendendo praticamente nada ao exibidor. Filmes italianos de gladiadores (“peplum”), filmes de terror e de comédia mexicanos (Cantiflas ou O Santo) e faroestes e filmes de ação americanos eram os gêneros privilegiados, mas havendo grande espaço para o cinema nacional e, obviamente, para a tradicional exibição de uma versão cinematográfica de “A Paixão de Cristo” durante a Semana Santa.
Seu Expedito exibia ainda diversos filmes brasileiros da Embrafilme, que cobrava porcentagem fixa de 50% (o que era uma grande vantagem para o exibidor) e entre os grandes sucessos que passaram em seu cinemas ele destacou aqueles estrelados pelo cantor gaúcho Teixeirinha, como Motorista sem limites (dir. Milton Barragan, 1970) e o Gaúcho de Passo Fundo (dir. Teixeirinha, 1978). Segundo seu depoimento, alguns dos maiores sucessos dos anos 1970 foram os filmes Coração de luto (dir. Eduardo Llorente, 1967, com Teixeirinha) e a reprise do célebre O Ébrio (dir. Gilda de Abreu, 1946). Em 1977, ele viajou ao Rio de Janeiro e comprou de Alice Gonzaga, da Cinédia, os direitos para o relançamento do filme estrelado pelo cantor Vicente Celestino no Nordeste. Ele ainda guardava um cartazete do lançamento do filme pela sua distribuidora. Ao lhe contar que eu conhecia Dona Alice, ele me entregou aquele documento, hoje uma raridade, para que presenteasse a atual dona da Cinédia. Entreguei a “encomenda” algumas semanas depois a Dona Alice, que ainda se lembrava do negócio fechado entre os dois mais de trinta anos antes.
Na mesma viagem ao Rio de Janeiro, Seu Expedito conheceu também o cineasta Watson Macedo e adquiriu os direitos ara relançar a chanchada “junina” Aguenta o rojão (dir. Watson Macedo, 1958), que havia sido um grande sucesso na época de seu lançamento na região. Entretanto, o Laboratório Rex lhe informou que os negativos estavam em mau-estado e não permitiam a feitura de novas cópias. Seu Expedito não cobrou o dinheiro de volta de Macedo, grato que estava pelo modo como foi recebido pelo grande cineasta. Desse encontro com o pai das chanchadas, mantém até hoje como recordação um extraordinário album fotográfico do filme estrelado por Zé Trindade.
A partir do final dos anos 1980, a crise no circuito exibidor se intensificou e Seu Expedito foi se desfazendo de suas salas. Os imóveis eram vendidos ou alugados, restando as cadeiras (que podiam ser negociadas com outros comerciantes) e os projetores (a maioria foi vendida para salas do Sudeste para ser reformado e reaproveitado – segundo sua versão, as salas do Cariri Shopping são equipadas com projetores Phillips de 1956, que tiveram apenas o leitor de som trocado!)
A única sala ainda em seu poder fica justamente em Juazeiro do Norte, o Cine Eldorado, originalmente com 1.500 lugares (hoje com 1.300), que ele adquiriu ao Circuito Severiano Ribeiro. O aprofundamento da crise nos anos 1990 o obrigou a fechar a sala, ficando a cidade sem nenhum cinema até a abertura do Cariri Shopping. Recebeu ofertas de compra para transformar o espaço em Igreja, mas não aceitou. Entretanto, para não manter o imóvel ocioso, em 2010 ele projetava filmes pornográficos em vídeo. Segundo palavras de um amgo, só duas pessoas geralmente estão na sala, e uma era seu filho, Paulino, que iria lá só para fechar a porta. Já nas palavras do neto de Seu Expedito, só “veado” frequentaria o cinema.
Após conversar com Seu Expedito, fui ver o seu cinema abrir naquele sábado e contei quinze espectadores (todos homens) entrando no início da única sessão do dia, às 19h, sendo recebidos por Paulino, filho de Expedito. Os ingressos custavam R$ 5,00 (R$ 2,00 a meia entrada), um pouco mais barato do que as salas do shopping. Os filmes pornográficos eram exibidos em DVD, numa projeção em vídeo bastante precária. Pude conhecer naquela noite a cabine de projeção, onde além dos projetores desmontados e racks de som abandonados, sobreviviam alguns rolos de pontas e trailers dos anos 1990. Se Leo Enticknap, em seu excelente livro Moving Image Technology (2005), indica que a projeção cinematográfica com arco voltaico deixou de ser utilizada na década de 1950, substituída pelas lâmpadas incandescentes, é possível perceber, inclusive pela quantidade de bastões de carvão novos esquecidos no Cine Eldorado, que esse sistema de projeção permaneceu sendo utilizado em muitas salas do interior do Brasil certamente até a década de 1980.
No domingo pela manhã, último dia em que eu estaria na cidade, Paulino, filho de Seu Expedito, permitiu que eu conhecesse o interior da sala onde ainda existiriam documentos e filmes da época áurea das empresas de seu pai, reunidas naquela útlima sala. Encontrei um espaço abandonado, mas cheio de tesouros, como pilhas e pilhas de cartazes e foto-cartazes de filmes dos anos 1970 e 1980. Paulino permitiu que eu levasse alguns deles para o Rio de Janeiro como forma de divulgar os tesouros escondidos em seu cinema. Recolhi alguns exemplares de cartazes raros (mas geralmente duplicados) de filmes brasileiros que já foram doados para o acervo da Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Dentre os cartazes de alguns sucessos dos Trapalhões (Os trapalhões nas Minas do Rei Salomão, 1977), Zé do Caixão (Estranha Hospedaria dos Prazeres, 1976, ou Inferno Carnal, 1976) e sobretudo daqueles estrelados pelo cantor Sérgio Reis (Mágoa de Boiadeiro, 1978, Os Três Boiadeiros, 1979, O Filho Adotivo, 1984) encontrei pelo menos três raridades que, pelo que pude constatar, não existiam sequer nos acervos da Cinemateca Brasileira e da Cinemateca do MAM, os dois maiores arquivos de documentação correlata sobre cinema brasileiro do país:
1)O cartaz original de Aguenta o Rojão, em ótimo estado, e ainda uma foto de porta de cinema do ator Reginaldo Faria nesse filme, um de seus primeiros trabalhos em cinema.
2)O cartaz do filme Secas e Molhadas (1975), de Mozael Silveira, pornochanchada carioca que é um clássico exemplar da produção do Beco da Fome do Rio de Janeiro.
3)O cartaz do grande sucesso Coisas Eróticas 2 (1984), cujo título foi alterado para parecer um filme americano intitulado Private 25. Mas pelo nome do diretor, Raffaele Rossi, percebi que tratava-se de um filme nacional e pude identificar o título original olhando o cartaz pelo verso, contra a luz.

Além de muitos outros cartazes e fotos, permanece no Cine Eldorado um outro tesouro talvez ainda mais importante: toda a documentação financeira e administrativa das empresas de Expedito Costa, como borderôs das salas de cinema e notas fiscais das distribuidoras. Num momento de interesse pela história econômica do cinema brasileiro (exemplificado pela série de livros editada por Alessandra Meleiros), trata-se de uma documentação primária que pode fornecer subsídios fundamentais para uma análise mais rigorosa da inserção do filme nacional no mercado cinematográfico nos anos 1970 e 1980.
Mas ainda havia uma outra surpresa: em uma outra sala, fechada por uma porta cujo cadeado não era aberto havia uns dez anos (cuja chave demoramos quase uma hora para achar), estavam dispostos latas e mais latas de filmes. Não tive tempo e nem condições de verificar o conteúdo delas, alguns em péssimo estado (já melados, por exemplo), mas grande parte ainda em razoável condição (o cheiro de vinagre nem era tão forte, pois o local era suficientemente ventilado). Pelo que me foi possível constatar, grande parte dos filmes parecei ser estrangeiro, com títulos como Dio, come ti amo (dir. Miguel Iglesias, 1966) ou trechos de relançamentos de comédias do Gordo e Magro ou faroestes. Porém, vi rolos identificados como Os Três Mosquiteiros Trapalhões (dir. Adriano Stuart, 1980) ou Atrapalhando a Suate (dir. Dedé Santana, 1983) – esse último que lembro de ter visto, quando criança, no Cinema Carioca, na Praça Saes Peña, na Tijuca, em meados dos anos 1980. Esse filme foi feito durante o racha no quarteto dos Trapalhões, sendo estrelado apenas pelo Dedé, Mussum e Zacarias. Nas minhas recordações de criança, era um dos filmes mais engraçados que já tinha visto na vida (até hoje acho ainda que é o melhor filme do grupo). De qualquer forma, em relação aos dois filmes, mesmo que seus negativos estejam bem preservados (o que não sei se é o caso), a existência de cópias originais em 35mm da época de lançamento não deve ser desprezada.
Há perspectivas da transformação do Cinema Eldorado em Centro Cultural, Escola de Cinema ou Teatro, mas segundo Seu Expedito, se isso não ocorrer nos próximos meses, ele irá fechar o cinema e transformá-lo em estacionamento, uma vez que se localiza no movimentado centro de Juazeiro. O que não pode acontecer é deixarmos que vá para o lixo ou se perca de alguma forma o precioso tesouro que permanece até hoje esquecido nas entranhas de seu cinema.