sexta-feira, 8 de abril de 2011

Relato do The Reel Thing XXII, 2009 (parte 1)

Entre os dias 21 e 22 de agosto de 2009 participei do "The Reel Thing XXII", simpósio técnico promovido pela AMIA (Association of Moving Image Archivists). Estava em Los Angeles com bolsa-sanduiche do doutorado e aproveitei para participar do evento realizado no Linwood Dunn Theater, da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Arrumando meus papeis, aproveitei para tentar passar a limpo algumas das anotações que fiz das palestras, tentando alinhar as questões que me pareceram mais interessantes na ocasião.

A primeira palestra do dia foi de David Giovannoni, intitulada "Adieu, sweet aparition. Hello Sweetheart". Fundador do "First Sounds" um grupo de historiadores do som, engenheiros de áudio, "arqueofonistas" e outros indivíduos que se dedicam voluntariamente a tornar acessíveis os primeiros registros sonoros da humanidade. Giovannoni retomou seu relato do ano anterior quando apresentou a recuperação de um dos mais antigos registros da voz humana, feito em Paris em 1860 - 17 anos antes da invenção do primeiro gravador do som por Thomas Edison e seus cilindros de cera. Isso foi conseguido através da descoberta de registros do "phonautograms" de Édouard-Léon Scott, invento dedicado a tornar o som visível, isto é, fazer uma representação visual do som numa espécie de caligrafia automática. Giovannoni relatou as dificuldades de conseguir "tocar" novamente aqueles registros que não foram criados originalmente com essa intenção. Para saber mais dessa história fantástica, sugiro consultar o site http://www.firstsounds.org/

A segunda palestra foi do célebre especialista John Polito, abordando a restauração sonora do filme How to marry a milionaire (1953), comédia com Marilyn Monroe, Lauren Bacall e Betty Grable, primeiro filme feito em cinemascope e mixado em 4 canais estéreo. Para destacar sua novidade tecnológica, o filme se iniciava com um prólogo de 8 minutos com uma orquestra regida pelo compositor Alfred Newman. O som dessa cena foi registrado com 3 microfones como forma de explorar na exibição do filme a espacialidade proporcionada pelo som magnético. Entretanto, Polito revelou como as fitas magnéticas da mixagem original do filme apresentavam um supreendente nível de 6% encolhimento! As máquinas de reprodução magnética geralmente são capazes de tocar fitas com até 1,5% de encolhimento, enquanto os aparelhos especialmente feitos para os arquivo suportam até 4% de encolhimento. As fitas magnéticas apresentavam-se portanto até 2 mm mais curtas do que sua dimensão original. Polito advertiu ainda como a prática corrente de "assar" as fitas de áudio ajudam um pouco, mas fazem mais mal do que bem, pois a deixam em condições piores no final de contas. Foram relatadas ainda como esses problemas foram superados na restauração do filme, apresentado ao final do dia para o público.

A palestra seguinte também foi a apresentação de um caso de restauração, mas do filme Rashomon, de 1950, patrocinado pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Mike Pogorzelski apontou como, apesar de ser um filme clássico, não existiam boas cópias 35mm da obra-prima de Kurosawa em nenhum arquivo do mundo. Relatou que nos anos 1970 o negativo original do filme - feito com pouquíssimos recursos - havia desaparecido. Para a restauração foi utilizada uma cópia 35 mm em acetato de 1962, mas, como material de referência, descobriram alguns fotogramas do negativo de câmera que haviam sido guardados pelo diretor de fotografia. A cópia utilizada foi duplicada antes de ser escaneada para não haver riscos, sendo digitalizada em 4K. Pogorzelski observou que os piores elementos para serem tratados numa digitalização, que correm o risco de aparecer como erros devido aos detalhes e a velocidade com que aparecerem, são folhas de ávores, gostas de chuva e chamas de fogo. A platéia riu com a lembrança de que Rashomon se passa em grande parte numa floresta, à noite, com personagens em volta de uma fogueira! A restauração do filme teria custado 400 mil dólares e como produto final foram feitas cópias novas em 35mm e e extraída uma versão em HDCAM-SR para o lançamento do filme em blu-ray (ele já fora lançado em DVD pelo selo Criterium).

A palestra seguinte, mais técnica e menos interessante, abordou o tema da Síndrome do Vinagre no ambiente de trabalho. Os palestrantes, funcionários da Citadel Enviorenmental Services, discorreram sobre o tema de "Higiene industrial", divido nas etapas de reconhecimento, avaliação, prevenção e controle. Foi debatido o dilema entre isolação e ventilação nos ambientes de arquivos audiovisuais e afirmou-se, ao fim, que a síndrome de vinagre não representa ameaça tóxica ou cancerígena para os funcionários, mas pode causar diferentes tipos de irritação de pele.

A parte da tarde começou com a palestra de Ethan Miller, sobre o tema do armazenamento de arquivos digitais que abordarei em seguida.

Mais original foi o relato de Al Sturm, da Wideband Video Labs, sobre a restauração de fitas da primeira missão de registro ótico da lua através de satélite da NASA, anunciada com furor pela mídia americana no ano anterior. O palestrante revelou como a tarefa foi muito mais complicada e contou com muito menos recursos do que foi anunciado.

Sobre formatos "estranhos" também falou Ralph Sargent, ao expor o caso da restauração de um episódio do programa de TV "Johnny Cash Presents the Everly Brothers Show", série da rede ABC do início dos anos 1970. O surpreendente do caso é que esse material não foi gravado internamente pela emissora quando feito, mas sobreviveu apenas através de uma gravação a partir da transmissão televisiva (off-the air) feita em uma fita 1 polegada tipo A, um formato pouco utilizado de vídeo produzido pela Ampex e destinado a uso educacional e destinado ao mercado caseiro - uma espécie de precursor do VHS. Sargent relatou as dificuldades para restaurar essas fitas e mostrou alguns trechos - muito bons! - do programa musical.

Voltando ao tema da NASA, Mike Inchalik fez um relato muitíssimo interessante sobre o sistema utilizado para capturar em vídeo a atividade dos astronautas da nave Apolo 11 fora do veículo espacial. Os registros dessa primeira missão lunar tripulada foram transmitidas ao vivo da lua para a Terra num formato único, nunca utilizado comercialmente, de 320 linhas por quadro, e velocidade de 10 quadros por segundo. Elas foram registradas em fitas de 1 polegada, totalizando 9.200 pés (2.800 metros), com 525 linhas e 60 quadros por segundo. Mas as 45 fitas utilizadas estavam desaparecidas.
Essas imagens eram filmadas na Lua, transmitidas para a Terra, seus sinais convertidos, e depois transmitidas pela TV para a casa de milhares de pessoas em todo o mundo. Dessas imagens sobreviveram apenas os seguintes materiais utilizados na restauração: uma VHS feita em Sidney (onde havia também uma base de apoio à expedição lunar) a partir de fita 2 polegadas; uma quinescopagem feita na NASA (isto é, a filmagem em película diretamente do monitor de vídeo); algumas fitas 2 polegadas da rede de televisão CBS que transmitiu a missão pela TV; e, mais surpreendente de todos, um filme 8 mm feito com câmera na mão filmando um monitor de baixa frequencia na Austrália!

A última apresentação foi sobre o filme ilustrativo do USS Arizona Memorial, museu construído no navio abatido no ataque japonês a Pearl Harbor na Segunda Guerra Mundial. O filme feito em 35 mm nos anos 1980 vinha sendo exibido nesse formato a todos os visitantes até se decidir pela feitura de uma versão digital para substituí-lo. O filme foi scaneado em 4K e apresentado em pré-estréia para o público do simpósio em projeção 4K. Foi a primeira vez que pude ver esse tipo de apresentação e a riqueza de detalhes na tela impressionam, embora, mesmo em 4K, eu ainda tenha ficado insatisfeito com o tom e profundidade das cores, que me pareceram ainda opacas e pouco vivas em relação à película.

Continua...

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